O Tenente caminhava de um lado para o outro, observando distraidamente as pistas insatisfatórias que tinha nas mãos.
– Hum. Infelizmente o pessoal da área não está a fim de falar e as pistas que você recolheu com os gnolls e os murlocs não valeram de nada. – ele suspirou. – Vamos ter que botar em prática o plano B… “B” de buscar o Lu “Dois Sapatos”
– Desculpe, Tenente – Ellis o interrompeu. – Buscar quem?
– Quero que conheça o Lu “Dois Sapatos”. É um antigo informante meu que, olha que ironia do destino, mora na velha fazenda de plantação de abóboras dos Taturana. Vá até lá, a oeste, e veja se o Lu sabe de alguma coisa.
A Plantação de Abóboras dos Taturana não ficava longe – era só seguir a estrada. Poderia terminar a tarefa em pouco tempo e voltar, se os ventos ajudassem, com bons resultados.
Já tinha virado as costas quando ouviu uma última orientação berrada pelo Tenente:
– Se ele encher seu saco, diga que foi o Horatio quem enviou você!
O “amigo” do Tenente não era muito receptivo, a bem da verdade. Mal Ellis havia se aproximado, Lu começou a se desculpar:
– Olha só, camarada, aqui não tem lugar para mais ninguém, viu? Eu…
– Oh, não, não. Não quero lugar – disse Ellis rapidamente. – Quem me mandou aqui foi o Horatio. Acho que vocês devem se conh…
– Ah! – Lu gritou. – Foi o Horatio quem mandou você aqui? Então ok… Em que posso lhe ajudar?
Antes que ela pudesse responder, no entanto, o homem se aproximou e cochichou num tom amedrontado:
– Ele não está aqui, está? Bem, ele sabe que eu não estava me escondendo dele, não é? Eu só estava querendo pegar leve, sabe como é?
– Não está – Ellis deu uma risadinha. – E ele sabe que você está aqui. Bem, não importa, não vim caçar você. É um prazer conhece-lo, Lu, apesar das circunstâncias… Sou Ellis, de Elwynn, e estou auxiliando o Tenente Horatio na investigação do assas… hum, da morte dos Taturana.
– Ah, menina, isso foi uma tristeza… uma tristeza – ele baixou o olhar. – Bem, acho que então o que você quer é informação, não é? Escute só: eu não podia falar coisa alguma com você, mas estou devendo uns favorezinhos pro Horatio. Eu não sei mesmo o que aconteceu com os Taturana, mas… talvez eu consiga dar uma luz para você. – ele piscou.
Enquanto esperava Lu lhe trazer o que quer que tivesse ido buscar, Ellis aproveitou para observar o lugar. A pequena fazenda também estava tomada por mendigos e retirantes esfomeados, que já haviam desaparecido com boa parte da plantação de abóboras.
Lu voltou carregando um grande caixote de madeira. Antes que Ellis pudesse imaginar o que haveria dentro dele, Lu o botou no chão à sua frente e explicou sorrindo:
– Eu morava nesse caixote antes de me dar bem. Mas agora eu vivo a vida dos sonhos de qualquer vagabundo…
Ellis permaneceu parada, apenas olhando. E em que raios um caixote pode me ajudar, senhor rei dos vagabundos?
Lu ficou impaciente.
– Ok, agora você pega o caixote. – disse. – Vá para a parte de trás da mina Veiojango, a sudoeste daqui, e se esconda nele.
– Me esconder? E depois o quê?
– Só esconda-se, oras! Você sabe como se esconder, não sabe menina? Vai lá.
Ellis estava frustrada. Lu recusou-se a explicar-lhe o resto de seu plano genial, porque já estava fazendo mais do que devia para ajudá-la.
Claro. Obrigada pela dica. Cada um no seu caixote [http://pt.wowhead.com/quest=26228].
Agora não tinha certeza do que fazer, para falar a verdade. Pegara o caixote, mas apenas por não ter outra opção. Aquilo parecia mais um plano furado para lhe despistar.
Quando eu voltar aqui, provavelmente ele vai ter fugido para outra fazenda para vender qualquer coisa contrabandeada…
Mas o que mais havia para se fazer, afinal? Tinha o caixote, o caminho da mina e nada a perder. Decidiu que deveria ir. Não sabia como agir, o que encontrar ou até quando esperar, mas tempo era algo que tinha de sobra.
A mina era um lugarzinho disfarçado de rochedo, escondido sob uma infinidade de plantas e com uma casinha simplória ao lado e uma carroça abandonada na frente. Nada de mais, aparentemente, mas a quantidade de kobolds que continha em seu interior era assustadora.
Caminhou cuidadosamente até o final da caverna e, depois de escolher um canto aconchegante, abaixou-se e colocou o caixote por cima da cabeça.
Devo estar meio ridícula, era só o que pensava, agachada daquele jeito esquisito, espiando por uma fenda na madeira enquanto tentava desesperadamente respirar por outra.
O que mais queria naquele momento era uma companhia. Era estranha a forma com que a solidão a abatia em determinadas situações. Nessas horas seu pensamento se dirigia, inevitavelmente, à irmã que tanto lhe fazia falta. As conversas imaginárias que ocorriam em sua mente às vezes a ajudavam a se distrair – outras, no entanto, só pioravam seu estado de espírito deplorável.
Ei, Hal!, ela começou. Sempre acabava olhando para cima quando conversava silenciosamente com Halie. Onde quer que você esteja agora, deve estar mais confortável do que eu.
Até deu uma risadinha tímida. Já estava quase desistindo daquela loucura quando algo a alertou. Ellis prendeu a respiração e permaneceu tão imóvel quanto era possível, com o coração palpitando freneticamente. Cinco segundos depois, a figura de um ogro monstruoso materializou-se à sua frente.
Mas o que…
O ogro, todo envolvido em sedas coloridas, tinha duas cabeças e trazia em uma das mãos um cajado. Ele inspecionou o ambiente por alguns instantes e, como se a cena tivesse sido ensaiada, uma figura misteriosa saiu das sombras e caminhou em sua direção.
Ellis só foi capaz de concluir que, definitivamente, aquele era o vulto de uma mulher. De onde estava podia enxergá-los perfeitamente bem, mas, por mais perto que o vulto estivesse, seus traços não eram identificáveis.
– O que humananica querer? – rosnou o ogro de repente. – Por que chamar Falagrum?
– Que lástima – respondeu o Vulto Sombrio. – É essa a vida que você sonhava ter, Falagrum? Comandando esquemas ridículos de extorsão de dentro de uma caverna?
– Falagrum esmagar você!
– Me esmagar? – ela, ou o que quer que fosse aquilo, riu deliberadamente. – Você quer mesmo cruzar essa linha e arriscar a sua vida?
Quando foi que eles entraram aqui?
Ellis estava alarmada. E se algum deles soubesse de sua presença?
– Você pode tentar me matar – prosseguiu o Vulto –, e falhar… ou pode escolher a opção dois.
– Que opção dois? – Falagrum parecia desconfiado.
– Você se une a mim, e lhe darei poderes e riquezas que você jamais sonhou ter.
– Então o Falagrum ter duas escolhas: morrer ou ficar rico e poderoso?
O ogro grunhiu e calculou as hipóteses por alguns segundos. Parecia estar fazendo um esforço mental terrível.
– Falagrum escolher opção dois.
– Imaginei que você iria concordar comigo. – disse o Vulto com voz satisfeita. – Aguarde minha convocação ao raiar do dia.
E, assim como chegaram, os dois desapareceram. O medo que tomou conta de Ellis naquele momento foi tão forte que precisou permanecer ali, na mesma posição, sem mover mais do que as pálpebras, por mais um bom tempo. Não sabia se era seguro se mexer.
Aquele Vulto horroroso pode estar escondido em qualquer sombra dessa caverna!
A conversa que havia acabado de ouvir, Ellis percebera, era parte de um jogo de manipulação. Aquela coisa não estava brincando – e, era óbvio, suas intenções não pareciam ser nada boas.
Com toda a coragem que lhe restava, ergueu-se, com as pernas tremendo, e caminhou lentamente na direção da saída. Voltou o mais depressa que conseguiu para a Fazenda dos Taturana. Para sua surpresa, a primeira pessoa que encontrou foi Lu “Dois Sapatos”.
– Você não vai acreditar no que…
Ellis tomou um susto quando Lu, ao invés de escutá-la, tapou os ouvidos com as mãos e começou a berrar no tom mais alto que podia:
– PARA! PARA! PARA! Eu não quero ouvir nada e não estou nem aí!
– Lu, você me…
– Ter esse tipo de informação pode matar um por essas bandas, menina! – ele continuou, ignorando completamente seus esforços para falar. – Eu tenho mais uma pista para você e aí chega!
Lu a puxou para mais perto e tomou o cuidado de conferir se ninguém estava por perto antes de começar a falar.
– Dois bandidos apareceram aqui na fazenda faz pouco tempo, armando todo o tipo de confusão. – disse rapidamente. – Eu não sei de onde eles vieram ou para quem trabalham, mas eu sei que tem caroço nesse angu. Talvez eu tenha escutado umas conversas deles sobre uns assuntos muito interessantes…
– Hum, bandidos? – Ellis respondeu, acanhada. – Olha, Lu, o que eu vi lá na mina não tem nad…
– Se você quiser saber mais, os bandidos estão atrás da sede da fazenda. – disse Lu simplesmente, e já foi se afastando. – Se te pegarem ou te matarem, eu não te conheço. Nunca te vi, hein!
Lu já estava caminhando na direção contrária quando se virou subitamente para Ellis e murmurou sinceramente:
– Boa sorte, garota.
Ellis encaminhou-se cuidadosamente até o local onde, segundo as informações escassas de Lu, os bandidos estavam acampados. Escondeu-se atrás da casa e, silenciosamente, permaneceu ali espiando o grupo que conversava animadamente.
– Você… Você se encontrou com ela? – perguntou um dos bandidos.
– Sim – respondeu outro. – Ela existe mesmo. E me pediu para dizer a vocês, cabeças-ocas, que apreciou o trabalhinho que nós fizemos nos Taturana, e me deu uma pilha de ouro para dividir com vocês.
– Você viu a cara dela? É verdade que…
Um dos bandidos ergueu a mão e o interrompeu. Ellis percebeu tarde demais que sua presença havia sido detectada.
– Epa! Mas o que temos aqui, rapazes? Uma bisbilhoteira?
Ellis foi cercada e rendida antes de poder reagir. Mas os bandidos falavam demais e, pelo que percebera, não tinham uma capacidade mental muito elevada. Talvez conseguisse fugir dali, com alguma sorte.
– Você sabe o que se faz com gente bisbilhoteira, não sabe?
Não tinha tempo. Antes que ele terminasse de falar, Ellis já estava em ação. Foi a surpresa que a ajudou no momento – quem esperaria que uma garota simplória reagisse naquela situação? Mas Ellis aprendera muito bem a se defender. Os bandidos restaram inconscientes no chão, mal sabendo o que os atingira, e ela pôde sair dali correndo e se esconder para organizar mentalmente todas as informações que havia obtido recentemente.
Ela. Quem é “ela”?
Precisava voltar ao Tenente o mais rápido possível. Por mais conclusões que tirasse, ainda necessitava da opinião profissional de Horatio.
A obviedade a levava a crer que os bandidos se referiam ao Vulto Sombrio. Era uma mulher, com toda a certeza. Mas e o que mais? Não tinha como saber ainda. Já ia voltar ao encontro de Lu – por mais certa que estivesse de que ele não faria questão de saber o que Ellis havia descoberto – quando um burburinho anormal vindo da fazenda a alertou.
Chegou correndo à plantação e logo percebeu que havia algo errado, apesar de não ter decifrado a cena logo de início. O Tenente Horatio Lane estava ali, curvado sobre o corpo sem vida de Lu.
– Você estava bem aqui! – gritou um dos inspetores a uma mendiga amedrontada. – O que foi que você viu?
– Eu… eu não vi nada! – ela respondeu. – Ele… ele morreu de causas naturais!
– Causas naturais? – gritou o investigador. – Ele tem duas balas no peito e as botas enfiadas na cabeça! Que tipo de morte natural é essa?
O Tenente ergueu os olhos e suspirou, cansado.
– A situação não está nada boa, cadete. – disse ele. – Isso foi uma execução. Quem fez isso estava mandando uma mensagem… para quem se atrever a denunciar esses criminosos.
Ellis recostou-se à cerca, assustada. Isso está ficando perigoso demais.
– Posso afirmar que o coitado do Lu… bateu as botas. – continuou o Tenente, e só então olhou-a. – Estamos lidando com crime organizado aqui, novata. Ninguém mata o mendigo menos pobre de Cerro Oeste em plena luz do dia sem deixar testemunhas. Alguém muito poderoso está por trás desses assassinatos em série. O que você descobriu até agora?
Foi um alívio para Ellis a presença do Tenente. Pôde finalmente relatar detalhadamente tudo o que vira e ouvira e tentar juntar as peças do quebra-cabeça. Estava claro que aquilo não era qualquer coisa – havia algo muito poderoso por trás de tudo.
Precisavam desvendar o mistério, Ellis decidiu secretamente.
“Boa sorte, garota.”, lembrou-se. Aquela fora a última vez em que se viram e, mesmo evasivamente, ele ao menos demonstrara um sinal real de preocupação. Foram para mim as últimas palavras do Lu.