Cenário 1:
Personagem central carismática tem sua cidade destruída. Com um milhão de bons motivos para tal, planeja retaliar com violência, contrariando sua postura conciliadora anterior. É tomada por louca, perde destaque na história do jogo e, dizem as lendas, deixará a liderança em breve.
Cenário 2:
Moça comenta post de uma famosa página de games. Recebe ofensas pessoais pelo fato de apresentar dados que refutam o que foi postado. Quando perde a paciência e devolve algumas das ofensas, é banida. Os comentaristas que a ofenderam em primeiro lugar continuam ativos.
Cenário 3:
Executiva tem postura assertiva durante uma reunião. Como seus pontos de vista não foram levados em consideração, repete com discurso ainda mais direto. É tachada de “mandona” e “agressiva”. Na mesma reunião, seu chefe levanta a voz para bater o martelo em uma decisão: ele tem “mão de ferro” e é “corajoso”.
A história – no WoW ou aqui fora – cobra um preço muito alto das mulheres que ousam fugir do papel de “docinho”. Quando uma mulher toma iniciativas, bate o pé ou discorda de alguém veementemente, ela é vista como “mandona”, “atirada”, “agressiva”, “tá na TPM” e daí pra baixo. Quando um homem faz a mesma coisa, ele é “direto”, “sabe o que quer” e é um “líder”. Dois pesos e duas medidas. Duas percepções diferentes para a mesma ação e o mesmo contexto.
Essa ideia de que uma mulher nunca pode levantar a voz, é sempre mais paciente que um homem, tem mais tato, sabe ceder para que a discussão acabe, dar vez para outra pessoa falar, é delicada, tudo isso é bobagem. Docilidade feminina é um mito. Nada disso nasce com a gente, é construção social. Não tem nada colado no nosso corpo que determine isso, mas o ambiente, a educação, a propaganda, o universo e tudo mais conspiram para que a gente “se comporte como uma garota”. Ideais de ordem (“menina tem que ter quarto e caderno arrumadinho”), de perfeição (com incentivos para se preocupar mais com detalhes do que com as grandes questões), de fragilidade (“esporte de contato deixa mais masculina”), de dependência da opinião alheia (“ninguém vai gostar de mim se eu reclamar”) e passividade (assume sem discutir o trabalho de outra pessoa porque “as coisas precisam ser feitas”) são ensinados às meninas desde cedinho. Menina não fala palavrão, “fica feio”. Mulher não xinga, credo, “é vulgar”. Um monte de pequenas coisas que vão minando a autoestima e a confiança que elas têm em si mesmas e, consequentemente, suas habilidades de liderança.
Mandona, eu?
Uma pesquisa norte-americana mostrou que, apesar de ambos os gêneros agirem da mesma forma no ambiente de trabalho, mais mulheres são chamadas de “mandonas”. Este rótulo traz mais punições para elas, que são vistas como menos aptas a serem promovidas. Meninas muito novinhas já entendem que “mandona” é um termo desagradável e engolem suas palavras – no ensino médio, elas já são 25% menos propensas a assumir lideranças que os meninos.
Só que não dá pra pensar em mudar o mundo se mais de metade da população tem que ser “um docinho” e não assumir seu papel nestas mudanças. Temos que fazer diferente.
Não precisamos ser perfeitas. Precisamos ser valentes.
Não precisamos ser dóceis. Precisamos ser determinadas.
Não precisamos “deixar pra lá”. Precisamos defender nossos pontos de vista.
Não precisamos agir como “boas mocinhas”. Precisamos falar – às vezes, BEM alto. Afinal, se falando já é difícil sermos ouvidas, imagina sem falar nada!
Dicas para despertar a *&%#@ líder que existe em você
- Fale. Fale mesmo. Não guarde pra você. Dane-se se vão te achar “nervosinha”. Claro, procure argumentos que façam sentido e não ceda (apenas) à raiva e ao calor do momento. Quem te chama de “surtada” não paga suas contas, não tira seu lixo pra fora e não tem o direito de te diminuir enquanto pessoa.
- Pare de se desculpar o tempo todo. Começar discursos com “não tenho certeza” ou terminar as frases com perguntas inseguras como “faz sentido o que eu estou falando?” não ajudam. Pedir desculpas por fazer uma pergunta? Que feio. Suas perguntas são tão válidas quanto as de qualquer pessoa. Cuidado também com o excesso de diminutivos fofinhos e engraçadinhos.
- Não caia no papo de que “mulheres competem entre si”. Apoie outras mulheres. Mesmo que não concorde com elas, não diminua o discurso da amiguinha com atitudes e suposições machistas.
- Seja direta. Fofocas e indiretas não levam a lugar nenhum. Não tenha medo do #textão se precisar dele para se expressar.
- Acredite na sua intuição. Acredite no que você sente. Acredite no sangue subindo à sua cabeça. Se você ficou com medinho de arrumar briga por falar algo, é um sinal de que provavelmente você PRECISA falar.
- Desafie-se o tempo todo. Como li outro dia, navios estão seguros quando estão no porto – mas não é pra isso que navios foram feitos. Saia da zona de conforto. Pode ser um pouquinho de cada vez. Tire sua fala da garganta e deixa ela passar por sua goela. Com medo ou sem medo, fale!
Este é um post afirmativo de Dia Internacional da Mulher. Nos anos anteriores, falamos que ser machista não dá XP e que o negócio é lutar como uma garota.