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Absorto em sua conversa inaugural com Lorde Crowley, Dareon só notou os detalhes daquele lugar estranho bem mais tarde. Durante o tempo que ficou ali, ganhou comida e bebida e uma palha para descansar. Talvez pudesse fica ali para sempre. Não sabia ao certo se já havia se passado uma tarde – ou uma madrugada, quem sabe uma manhã; na verdade, podiam ter se passado dez dias, ou talvez apenas meia hora. Não saberia dizer.
Lá dentro, o tempo parecia parar. Dareon achou meio esquisito quando finalmente percebeu, mas não quis comentar com ninguém – e também ninguém veio lhe dizer para ir embora ou fazer qualquer coisa, apenas seguiam suas vidas como se ele não estivesse ali. Mas, afinal, quem ligaria para sua presença? Era só mais um worgen entre outras dezenas de worgens que entravam e saiam o tempo todo. Às vezes carregavam coisas de dentro para fora ou vice-versa, outras vezes apenas caminhavam, pensativos, quase sempre acompanhados de algum companheiro. De qualquer forma, pareciam nunca parar. De repente, Dareon se sentiu inútil. Há quanto tempo estou aqui parado, mesmo?
Lorde Crowley sempre estava por perto, às vezes cochichando, outras gritando a plenos pulmões. Parecia incansável. A espada – aquela enorme espada que Dareon tinha quase certeza de que ele próprio teria dificuldade para segurar – não saía de suas mãos, e, pelo olhar desconfiado que os outros worgens lançavam em sua direção, talvez fosse do interesse de todos que ela fosse embainhada às vezes. Sabe lá quanta gente (só gente?) essa espada já matou, Dareon pensava, mas então desistia. Seja um worgen. Vocês todos, sejam worgens.
Apesar de todas as coisas novas para ver e todos aquele worgens com quem podia falar, Dareon mal conseguia prestar atenção em outra coisa que não fossem os elfos-noturnos. Conversavam entre si, não faziam questão de aparecer e observavam tudo, aquelas criaturas. Dareon ainda achava fascinante a pele quase translúcida, que refletia a pouca luz que entrava pelas brechas. Cintilantes, é o que eles eram. E, assim como Belrysa, tinham cheiro de segurança.
– São interessantes, não são? – Lorde Crowley cochichou de repente, então apontou para cada um dos elfos e disse seus nomes calmamente, começando pelo alto e sério de cabelo e barba azuis. – Aquele é Lyros Velozvento. Uma grande, grande figura. Ao seu lado está Vassandra Garrevolta, e aquele outro é Talran. Acho que o chamam “das Terras”, ou alguma coisa assim…
– É “das Selvas” – lembrou Dareon. – Ouvi alguém chamando-o assim…
– É isso, Talran das Selvas! – Lorde Crowley assentiu. – Se tiver algum tempo, converse com eles. Têm muito a contar…
Tempo é uma coisa que eu tenho, pensou, mas resolveu não externar a resposta. Depois disso, pela forma como a conversa se desenvolveu, Dareon só pôde concluir que Crowley estava apenas esperando a oportunidade certa para iniciá-la.
– Conheci Belrysa – Dareon disse de repente. – Ela é…
– Incrível – o outro concordou. – Eu sei. Todos sabemos, Dareon. Na realidade, devemos muito a este povo.
Dareon olhou-o com curiosidade. Não precisou perguntar sobre o que Lorde Darius Crowley falava, porque a resposta parecia estar pronta desde o começo da conversa.
– Os elfos-noturnos nos ensinaram muitas coisas ao longo desse tempo – Crowley até parecia emocionado. – Eles nos mostraram quem somos e de onde viemos. Graças a eles… Graças a este lugar… Não somos apenas um bando de feras. Recuperamos nosso livre arbítrio. Essa maldição que nos afeta, Dareon…
Lorde Crowley parou de falar, cansado. Era como se falar da maldição lhe tirasse todas as forças, como se abrisse uma fenda naquela muralha negra de músculos e garras que, externamente, parecia sempre inabalável. Era só olhar de perto, porém, para notar como suas estruturas caíam toda vez que se lembrava do sofrimento pelo qual ele e seu povo tiveram de passar até chegar onde estavam.
Eu sei como é, Dareon quis dizer, mas não disse. Apenas observou Lorde Crowley esticar uma garra e convidar a elfa chamada Vassandra para se aproximar. E ela devia estar ouvindo toda a conversa, porque seu cumprimento já foi uma complementação ao que Crowley dizia.
– O suplício que vocês chamam de maldição começou como uma heresia no seio do meu povo – ela contou. – Diante de uma batalha perdida contra forças demoníacas, os Druidas da Matilha renegaram o antigo juramento e deixaram-se tomar pela fera interior. Eles foram banidos para o Sonho Esmeralda, onde agora dormem um sono eterno sob uma árvore como esta…
Vassandra parou de falar, como se tivesse concluído a história, mas sua expressão de desgosto fez Dareon querer saber qual era a parte que ela não se sentia confortável para contar.
– Mas…? – perguntou baixinho.
– … Mas não sem antes espalharem sua própria maldição sobre os demais – a elfa terminou, meneando a cabeça em desaprovação. – Foi o que aconteceu.
– É bom que você esteja aqui, Dareon – Lorde Crowley falou. – Hoje, você presenciará um evento único.
Epa. Dareon parou para pensar durante um instante. Então minha presença aqui já era prevista? De repente, quis muito saber como é que tudo aquilo acontecia.
– A cerimônia de hoje restaurará nosso povo ao antigo equilíbrio – explicou Vassandra, mas Dareon continuou sem entender muita coisa. – Você precisará me ajudar com os preparativos, Dareon.
– Então… Cerimônia, você diz? Vou fazer alguma magia ou coisa parecida? – Dareon quis saber. – Olha, porque se for, eu ac…
Vassandra riu timidamente.
– Por enquanto, só preciso que você colha alguns ramos de folha-da-lua lá fora – pediu ela. – Depois resolvemos o que mais você pode fazer.
Antes que Dareon deixasse o interior de Tal’doren para procurar as folhas que Vassandra pedira, Lorde Crowley segurou-lhe o braço com força e o fitou com seriedade.
– Acho que você deveria saber mais uma coisa – falou num tom pesado. – Os Renegados, eles… Eles não estão aqui somente pelas nossas terras. Eles estão procurando algo que guardamos: um artefato capaz de disseminar descontroladamente a Maldição por toda a humanidade. Eles estão nos nossos calcanhares, Dareon. As banshees de Sylvana já chegaram muito perto. Não podemos deixar que eles o encontrem!