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Este é o 1º artigo de 3 posts da série Bate Papo com os Desenvolvedores: Raide em Azeroth.

Essa semana, o Site Oficial disponibilizou em três partes um bate-papo interessantíssimo com os desenvolvedores. Nessas três partes, foram debatidas como se deu todo o processo de criação e mudanças que o sistema de raides foi sofrendo, já que os raides foram os elementos do jogo que mais sofreram mudanças desde o começo de World of Warcraft. Com as mudanças que teremos em Warlords of Draenor, foi preciso que houvesse uma explicação por parte dos devs para se entender as alterações que ainda virão na próxima expansão. A série “Raides em Azeroth” pretende voltar no tempo e revisitar as raides antigas – de Núcleo Derretido à Cerco a Orgrimmar – para analisar como foram as mudanças da filosofia do design dessas raides.


Parte 1: Uma retrospectiva

World of Warcraft Clássico (2004-2006)vanilla

No lançamento do WoW, havia duas zonas de raide oficiais: Covil de Onyxia e o Núcleo Derretido com 10 chefes, que originalmente só era acessível quando se atravessava o Abismo Rocha Negra. Nos primeiros meses depois do lançamento do jogo, não havia limite para o número de jogadores que podiam entrar em uma instância ao mesmo tempo, contanto que estivessem no mesmo grupo (“raides” Scolomântia Stratholme para 15 jogadores não eram incomuns na época). Com o estabelecimento do limite de 40 jogadores por grupo, raides de 40 jogadores se tornaram o padrão para as zonas de raide iniciais, uma vez que a dificuldade (com algumas exceções) se reduz com um número maior de jogadores. 

Quando o mundo de Azeroth era novinho, o ritmo de passagem de nível era tão mais lento do que hoje que a ocupação principal da maioria dos jogadores era simplesmente chegar ao nível máximo. Mesmo para os jogadores mais arrojados, já acostumados à experiência de passar de nível do beta, levou dois meses até que o primeiro grupo derrotasse Lúcifron, o primeiro chefe do Núcleo Derretido.

Assim, aplicando a lógica infalível dos fóruns de internet, Lúcifron era evidentemente mais difícil de derrotar que Garrosh — ou qualquer outro chefe dos últimos 5 anos. OK, talvez não. A demora não se deveu à dificuldade dos chefes, mas ao fato de que mesmo os mais grupos mais dedicados, com experiência acumulada de outros MMOs, demoraram para reunir um grupo suficientemente grande de jogadores de nível 60 com acesso à masmorra apropriada e o equipamento mais avançado. De modo geral, esse foi o maior desafio dos raides do WoW clássico: a logística de reunir e manter um elenco com equipamento adequado.

No decorrer dos 18 meses seguintes, introduzimos o Covil Asa Negra, o Templo de Ahn’Qiraj e a versão original de Naxxramas, aumentando o nível de dificuldade para os grupos que já haviam terminado o Núcleo Derretido. Essas zonas de raide foram ajustadas para grupos completos com 40 jogadores, presumindo que os jogadores tivessem bastante equipamento adequado para raides — ou seja, cada vez menos gente poderia participar dos níveis de conteúdo mais elevados. Os jogadores que entraram no jogo pela primeira vez no meio de 2006, no auge da progressão de Naxxramas, praticamente não tinham chance de chegar a ver Kel’Thuzad. Na melhor das hipóteses, podiam passar de nível depressa e obter equipamento suficiente para entrar numa guilda que ainda estava no Núcleo Derretido.

Em paralelo, introduzimos duas zonas de raide para 20 jogadores, Zul’Gurub e Ruínas de Ahn’Qiraj, permitindo que grupos menores vivenciassem o conteúdo fantástico numa escala diferente das masmorras. Esses raides de 20 jogadores punham mais responsabilidade individual nos ombros dos membros devido ao tamanho reduzido do grupo e à relativa dificuldade dos encontros. Encontros comoJin’do, Hakkar (aposentado) e Ossirian provaram que havia espaço para mecânicas de encontro desafiadoras e envolventes em raides menores.

The Burning Crusade (2007-2008)

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Quando introduzimos The Burning Crusade, fizemos o primeiro ajuste de estrutura de raide, reduzindo o tamanho máximo dos raides maiores e mais difíceis de 40 para 25 jogadores. Com isso, queríamos atingir dois objetivos:

  1. Melhorar a experiência de jogo para membros de grupos de raide. Uma lição que aprendemos com os experimentos em Zul’Gurub e nas Ruínas de Ahn’Qiraj é que grupos de raide maiores não necessariamente faziam os jogadores se sentirem mais heroicos. Na verdade, quando um grupo de raide tinha 15 curadores e 24 causadores de dano, o papel individual de cada jogador ficava reduzido ao de uma engrenagem numa máquina. Com um tamanho um pouco reduzido, as ações individuais tinham mais impacto e havia mais espaço para um jogador fazer a diferença no grupo — ao mesmo tempo que ele mantinha uma variedade de elementos suficiente para possibilitar encontros estrategicamente complexos.
  2. Tornar os raides mais acessíveis. Indo direto ao ponto: é mais fácil reunir 25 jogadores que 40. Também é mais fácil gerenciar um elenco desse tamanho. Muitas guildas usavam sistemas de saque intrincados para gerenciar elencos com mais de 50 jogadores. Outras precisavam de oficiais para cada classe a fim de manter o controle sobre os nove sacerdotes da guilda. Falando por mim, que passei a maior parte do tempo no WoW clássico mantendo o sistema DKP de soma zero da minha guilda, com uma dezena de regras personalizadas, achei que essa mudança trouxe uma melhoria incrível na qualidade de vida.

Além de diminuir o tamanho máximo dos raides The Burning Crusade também introduziu raides oficiais de 10 jogadores (houve quem dissesse que o Pico da Rocha Negra Superior veio primeiro, mas ele estava mais para uma masmorra de 10 jogadores, dada a sua estrutura). Os encontros individuais em Karazhaneram bem difíceis, especialmente na primeira versão da zona, mas esse novo tamanho aproximou os raides de um grupo novo de jogadores: grupos de “amigos e família”. Um número enorme de jogadores entrou no World of Warcraft trazendo colegas de trabalho, da escola, parentes e amigos virtuais que jogavam outros jogos. Pela primeira vez, grupos assim podiam participar de raides como entidades autossuficientes e, no máximo, precisavam adicionar um ou outro jogador do reino. Mesmo assim, esses grupos não chegavam a ver muita coisa do conteúdo mais característico do jogo: Illidan provocou todo mundo que assistiu ao trailer de The Burning Crusade com a fala infame “Você não está preparado!”, e, a menos que você tivesse 24 companheiros ao seu lado, era impossível ficar cara a cara com o vilão principal da expansão no Templo Negro.

No lançamento de Burning Crusade, o conteúdo para raide de 25 jogadores não estava bem ajustado: de muitas maneiras, encontros como os de Gruul e Magtheridon originais continuaram o que a versão clássica de Naxxramas iniciou e se tornaram um desafio duríssimo para as melhores guildas do mundo, mas uma barreira intransponível para o resto dos jogadores dos raides. Isso foi corrigido alguns meses depois no Patch 2.1, que também estabeleceu o precedente de que os raides de cada expansão seriam autossuficientes e serviriam de porta de entrada para os jogadores sem experiência nisso.

O Patch 2.4 introduziu o raide Nascente do Sol para 25 jogadores, que continuou no modelo de progressão clássica ao servir como pináculo da pirâmide de raide, acessível apenas aos poucos jogadores que tinham dominado o Templo Negro e o Monte Hyjal. Entretanto, mais significativa como sinal do que estava por vir foi a introdução do vendedor de Distintivo da Justiça da Ilha de Quel’danas, bem como o Terraço dos Magísteres. Distintivos da Justiça não eram novidade, mas foi a primeira vez que realizar missões e esvaziar masmorras concedeu acesso a itens que eram realmente de poder equivalente — ou até mesmo superior — a muitos itens de raide dos primeiros dois níveis do raide de 25 jogadores do Burning Crusade. Junto com a remoção de sintonias, isso fez com que pela primeira vez os jogadores pudessem evitar completamente esses estágios se quisessem juntar equipamento e se preparar para zonas como Zul’Aman ou o Templo Negro.

Wrath of the Lich King (2008-2010)

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Cada patch do Wrath of the Lich King trouxe consigo uma inovação maior e uma mudança fundamental para o panorama de raides. Foi principalmente durante essa expansão que o raide assumiu a forma que os jogadores de WoW conhecem hoje.

Patch 3.0: Naxxramas, Santuário Obsidiano e Olho da Eternidade

Desde o princípio, a maior mudança em “Wrath” foi oferecer versões das mesmas zonas de raide para 10 e 25 jogadores. Isso resolveu a questão da indisponibilidade das histórias e do conteúdo mais famoso do jogo para quem não tinha grupos de 25 jogadores e também nos permitiu projetar conteúdo para públicos distintos. A versão para 25 jogadores foi feita para ser mais difícil e oferecia tabelas de saque separadas com recompensas mais poderosas. Usando lições aprendidas em ajustes anteriores a The Burning Crusade, Naxxramas, que já foi o playground das elites durante o WoW clássico, foi reintroduzida como ponto de entrada de raide bastante acessível. Dos grupos de amigos e familiares à cena recente de “grupos sortidos” — sem esquecer das guildas de raide estabelecidas —, Wrath of the Lich King abriu os raides para um público bem mais amplo.

Mas mesmo a Naxxramas de 25 jogadores ainda era bem fácil para guildas que acabavam de chegar da Nascente do Sol. Com o desenvolvimento de Ulduar bem adiantado, a atração principal a ocupar a atenção das guildas nesse ínterim era o nível de dificuldade variável de Sartharion dentro do Santuário Obsidiano. O dragão negro era acompanhado por três dracos, que entravam na luta e davam poder a Sartharion se fossem deixados vivos. Derrotar Sartharion com dois dracos ativos concedia saque de uma tabela diferente, de nível mais alto. Derrotá-lo com os três dracos vivos concedia uma montaria e um título especial. A filosofia central era simples: todos os jogadores conseguem ver o Santuário Obsidiano e entrar na luta, mas os jogadores à procura de um desafio extra podem encarar uma versão mais difícil do mesmo encontro e receber uma recompensa compatível com o desafio. Como ocorre com a maioria dos nosso experimentos, o sucesso desse caso estabeleceu o alicerce para o que estava por vir.

Patch 3.1: Ulduar

Ulduar utilizou o modelo de Sartharion e o expandiu, acrescentando um conjunto completo em que 9 dos 13 encontros tinham um “modo difícil” opcional que concedia saque superior se fosse completado. Isso estabeleceu um novo padrão para a introdução do conteúdo de raide: enquanto guildas medianas aprendem lenta e metodicamente a lidar com cada encontro em uma zona, as guildas peritas zeram depressa as versões regulares dos encontros e então passam semanas ou meses progredindo nas versões de dificuldade mais difícil.

Patch 3.2: Prova do Cruzado

Quando percebemos que estávamos satisfeitos com o modelo de dificuldade múltipla, decidimos formalizar as coisas. Muitos jogadores tinham (e ainda têm) uma preferência por modos mais difíceis que podiam ser ativados por ações específicas dentro de um encontro, mas essas ações eram irregulares e nem sempre eram claras. Algumas delas (A Assembleia de FerroFreya) eram elegantes e intuitivas, mas outras eram frustrantes ou criavam armadilhas para os jogadores (“Ops, você matou Hodir em 121 segundos, tente de novo semana que vem!” ou “Pare com o DPS, não mate o coração de XT!”). Outras eram muito obscuras e difíceis de descobrir sem ler um guia (General Vezax). Nós já tínhamos um método estabelecido para cuidar desse problema em outro tipo de conteúdo: desde The Burning Crusade, usávamos duas versões de nossas masmorras, cada qual com níveis de dificuldade, recompensas e mecânicas de jogo diferentes.

Assim, no patch 3.2, lançamos quatro versões do Prova do Cruzado (para 10 e 25 jogadores, todos com dificuldade Normal e Heroica). Em muitos aspectos, os modos de 10 e 25 jogadores de Naxxramas eram igualmente fáceis, mas, com Ulduar e Trial of the Crusader, havia uma diferença mais sensível entre eles. Na dúvida, sempre preferimos deixar a versão de 10 jogadores mais fácil devido à diferença de recompensas. Em termos de funcionalidade (sintonia fina e itemização), tínhamos três níveis distintos de dificuldade de raide: Normal (Normal para 10 jogadores), Difícil (Heroico para 10 jogadores/Normal para 25 jogadores) e muito difícil (Heroico para 25 jogadores).

Ter dificuldades múltiplas não era um conceito novo no mundo dos jogos, mas, ao ser aplicado a raides, permitiu que o mesmo conteúdo gerasse experiências instigantes para ainda mais jogadores. No fim, raides organizados são mais satisfatórios quando os jogadores encontram um desafio: eles criam estratégias, se adaptam, treinam e só então conseguem superá-lo. E nas semanas seguintes, podem voltar e demonstrar seu virtuosismo em algo que antes parecia difícil. O brio dos jogadores varia conforme o estilo de jogo e o temperamento, mas, independentemente disso, poucos consideram satisfatório um encontro que seja vencido na primeira tentativa sem preparo prévio, e a maioria fica frustrada ao topar com um encontro que continue impossível mesmo depois de muitas tentativas. Nosso objetivo é atingir o ponto ideal nos ajustes para o maior número de jogadores, e ter dificuldades múltiplas é o mecanismo que torna isso possível.

É interessante notar que nós quase deixamos de incluir uma dificuldade Heroica para 10 jogadores. Havia pouca evidência de que muitos jogadores (além do pessoal de raide para 25 jogadores) estivessem jogando os modos difíceis para 10 jogadores de Ulduar, mas, com base em relatos e experiências em primeira mão (além do fato de que não tinha havido tempo suficiente para que uma cena oficial de raide para 10 jogadores se desenvolvesse), decidimos manter essa dificuldade.

Patch 3.3: Cidadela da Coroa de Gelo

Passando agora ao grau final de Wrath of the Lich King, percebemos que precisávamos fazer alguma coisa a respeito do maior porém da estrutura do Prova do Cruzado: os jogadores estavam zerando o conteúdo até quatro vezes por semana com o mesmo personagem para obter ao menos Emblemas de Triunfo. Era uma situação tolerável, embora não fosse ideal para um raide de 5 chefes sem outros inimigos entre as lutas de chefe. Teria virado uma bagunça enjoativa no caso de Cidadela da Coroa de Gelo com seus 12 chefes. Para resolver isso, combinamos os modos Normal e Heroico de cada tamanho de raide em um só vínculo de raide e permitimos que os jogadores trocassem de dificuldade no meio do raide.

No geral, a época da Cidadela da Coroa de Gelo foi muito boa para entrar em raides no WoW, com conteúdo memorável e múltiplos níveis de dificuldade e formatos de raide para acomodar um maior leque de jogadores.


Fonte: Site Oficial