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Este é o 22º artigo de 46 posts da série Entre Homens e Lobos.

A Aldeia Vale Tormenta era uma cidadezinha pacata erguida sobre rochas, no extremo sul de Guilnéas. De longe, era muito parecida com o Refúgio do Ocaso, com suas casas altas de madeira construídas à beira da estrada de pedra, iluminada pela tênue luz bruxuleante das lamparinas que relutavam em permanecer acesas devido à chuva constante que assolava a região.

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De perto, no entanto, percebia-se que aquele era um lugarzinho muito mais sombrio. Dareon havia chegado ao anoitecer ao novo local de refúgio do povo de Guilnéas, e desde logo notou o clima pesado que pairava sobre a Vila, mesmo que os aldeões se mostrassem contentes por terem encontrado um lugar seguro em meio àquele terror constante em que viviam.

Depois de Liam Greymane ter posto em prática o plano para ganhar algum tempo e garantir a segurança momentânea dos refugiados, os dois assistiram, escondidos, à luta entre o gorjala Koroth e os Renegados, mas nunca souberam como terminara – diante do ataque, os mortos-vivos recuaram em direção à Linha de Frente dos Renegados, com o gorjala furioso em seu encalço.

Assim que os inimigos sumiram de vista, o Príncipe fez com que Dareon subisse na última diligência e ordenou que seguisse viagem até a aldeia.

– Orientamos os condutores das diligências a se encontrarem na cidade pesqueira de Vale Tormenta, porque nossos batedores informaram que lá encontraríamos abrigo e suprimentos – dissera Liam. – Espero que dê tudo certo.

Ele próprio ficara para resolver o problema das diligências acidentadas, que ainda precisavam ser erguidas e consertadas. Relutante, Dareon pulou para dentro da cabine, mas não sem antes ajudá-lo a equilibrar a diligência caída sobre suas rodas novamente.

Assim que se aproximaram do portão de Vale Tormenta, algum tempo depois, Dareon abriu a porta da cabine em que se espremera e saltou para o chão com a diligência ainda em movimento. Foi recepcionado pelos guardas e por aldeões, que aguardavam do lado de fora das estalagens, perto de suas famílias e amigos, enquanto suas bagagens eram retiradas de cima das diligências.

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– Parece que conseguimos – disse Gwen Armstead, um pouco mais animada, assim que Dareon encontrou-a na estalagem. – Até que, para uma evacuação de emergência, não estamos indo tão mal…

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          Em partes, Dareon pensou algumas horas mais tarde. De fato, os aldeões haviam chegado em segurança ao Vale Tormenta, mas os imprevistos que precisaram enfrentar acabaram por colocar vidas em risco. Não deviam ter acontecido. Como não queria preocupar ninguém, preferiu não compartilhar seu pessimismo.

– O Vale Tormenta conseguiu escapar praticamente ileso de toda essa confusão – Gwen explicou, enquanto balançava de um lado para o outro a enorme espada que agora não saía de sua mão.

– Os Renegados ainda estão avançando para o interior – disse Dareon, segurando a ponta da espada para que Gwen parasse de chacoalhá-la. – Quem foi que deixou você ter essa espada?

Gwen ignorou a provocação e fincou a ponta da espada no chão.

– É muito grande para ser embainhada – disse ela.

– Então arranje uma menor!

– Eu gosto dessa, mas que coisa! – Gwen ajeitou o chapéu no topo da cabeça, irritada. – Apesar das aranhas, acho que aqui será um bom lugar para descansarmos as pernas durante uma noite ou duas.

– Que aranhas? – Dareon franziu a testa, confuso.

A Srta. Armstead suspirou, cansada.

– A outra metade da vila está infestada de aranhas, então eu pedi aos aldeões que ficassem longe de lá…

Dareon deixou a estalagem antes de Gwen completar a frase, impaciente, e saiu em direção ao lado oposto da Aldeia do Vale Tormenta. No caminho, encontrou um garotinho que corria, sozinho, para a parte interditada. Fez com que ele desse meia volta e prosseguiu seu caminho, xingando em pensamento o fato de Gwen ser tão ingênua a ponto de imaginar que todos se manteriam longe das aranhas por conta própria, sem qualquer vigilância por parte dos guardas.

            Não há mais lugares seguros, pensava, entristecido, quando uma mão o puxou com força para o canto e o forçou a entrar em uma pequena casinha de madeira.

– O que é? – Dareon rosnou.

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Lorna Crowley soltou a carabina e remexeu em uma bolsinha que carregava. Tirou lá de dentro um pequeno livro desgastado, que ergueu na altura dos olhos de Dareon para que ele o examinasse de perto.

– Encontrei o diário de um tal Bradshaw – disse ela. – É interessante… Mas estão faltando algumas páginas, especialmente no final.

Dareon coçou a orelha, pensativo.

– Já procurou em toda a Vila? – perguntou, ao que Lorna assentiu. – Bem, eu estava a caminho da área infestada. Quero dar uma olhada e ver se é possível fazer um controle de pragas antes que alguma coisa dê errado… Continue procurando por aqui enquanto eu tento encontrar alguma coisa por lá.

A expressão de Lorna pareceu se iluminar momentaneamente quando abriu um meio sorriso agradecido enquanto colocava o livro novamente na bolsa.

– Sabia que podia contar com você! – ela o abraçou, grata, e correu para o lado seguro da Vila.

Dareon permaneceu parado, acompanhando-a com o olhar até que Lorna sumiu de vista, depois de entrar na estalagem. No fundo, sentia-se triste por ela e sabia o motivo de tamanha curiosidade quanto às últimas páginas do Diário, por mais que Lorna não quisesse demonstrar. Também ele ficara intrigado com aquela nova Aldeia, ilesa em meio à Maldição e aos ataques dos Renegados, e o fato de ninguém saber para onde foram os moradores só aumentava o mistério.

Entre os grupos de aldeões, reinava um clima de apreensão. Dareon escutava partes de conversas aleatórias, e de vez em quando entreouvia cochichos sobre a Aldeia, alguns amedrontados, outros esperançosos. Não têm certeza do que pensar, Dareon concluiu. Mas quem podia ter, afinal? Poderiam tanto estar prestes a serem salvos quanto estar definitivamente desgraçados. Só lhes restava esperar.

Lorna, no entanto, havia se agarrado à esperança de que os antigos aldeões de fato teriam encontrado uma forma de escapar. Dareon torcia para que estivesse certa, mesmo que no fundo isso só a fizesse acreditar, a cada dia mais, que seu pai poderia estar vivo.

– Aranhas malditas – resmungou ao chutar duas aranhas particularmente grandes para longe. Começava a se arrepender de ter tido o bom senso de investigar a infestação, mas assim que encontrou um amontoado de papeis boiando em uma poça d’água, esqueceu da frustração e correu para protegê-los.

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As páginas estavam molhadas e a tinta, borrada, mas Dareon tentou secá-las na roupa o máximo que pôde antes de guardá-las no bolso em um rolinho improvisado.

Quando voltou à estalagem, depois de uma meia hora para entrar no lado infestado da cidade e o dobro de tempo tentando sair, Dareon encontrou Lorna e Gwen discutindo sobre algum problema qualquer com as diligências. Assim que o viram parado à porta, as duas correram ao seu encontro, apreensivas.

– Desculpe não ter mandando ninguém resolver a questão das aranhas antes – Gwen murmurou. – Acho que tinha coisas demais na cabeça…

– Não faria muita diferença, na verdade – Dareon deu de ombros. – Está pior do que eu imaginava. Cheguei a matar algumas, mas os ninhos devem estar muito escondidos…

– Ah, não, não – Gwen chacoalhou a cabeça. – Sabemos onde é o ninho. Só que ninguém teve coragem de entrar lá ainda…

– E quando é que você ia me falar sobre isso? – Dareon revirou os olhos, impaciente. – Onde fica?

– Dareon, não posso deixar que entre lá. Nós vimos a aranhona, à beira da Floresta Negra. Os vigias até deram um nome para ela, Rygna. E é óbvio que ninguém quer chegar perto. Ela é… é um monstro! Enorme, escura, horripilante…

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Dareon chegou a dar uma risadinha, pensando nas criaturas que já precisara enfrentar desde que chegara a Guilnéas. Não se lembrava da última vez em que tivera algum sossego, mas simplesmente não conseguia imaginar a hipótese de deixar outra pessoa se arriscar e ir no seu lugar. Talento para arrumar problemas tamanho família, é o que eu tenho, pensou. Como é que vocês viveram todo esse tempo sem mim?

– Acontece, querida – disse, confiante –,  que eu também sou.