– Mire naquele boneco e tente lançar novamente a Seta de Gelo.
Jaina estava atrás de mim e tentava me ensinar um novo feitiço, mas eu não conseguia me concentrar com aquele Elemental bobalhão de Água.
– Ele tem mesmo que ficar aqui?
A ouvi suspirar e deu um passo pra frente, posicionando-se ao meu lado.
– Esse bobalhão aí algum dia poderá salvar sua vida. Com apenas uma ordem sua ele pode congelar o inimigo.
Uau! Levantei a cabeça para olha-la melhor e logo em seguida olhei pro bobalh… quero dizer, pro Elemental.
– Ele entende o que eu digo?
De repente fiquei com medo dele tentar se vingar de mim. Jaina sorriu e se pôs na frente dele.
– Seu bobão, miolo mole, cara de peixe…
Arregalei os olhos espantada com a atitude dela.
– Você está louca? Perdeu o juízo? Ele vai se vingar de você também!
Jaina gargalhou e se ajoelhou na minha frente.
– Minha pequena, ele não te escuta. Ele apenas obedece ordens dadas por você. São gestos específicos que o faz se mexer e atacar o inimigo.
Suspirei aliviada, quem diria que a Jaina poderia ser tão brincalhona?
– Agora vá para casa, descanse e estude este tomo.
Fiz cara feia ao pegar o livro que era quase do meu tamanho.
– Outro?? Semana passada eu já li um! Isso não é justo! Porque eu tenho que ler tanto e você não lê nada?
Ela se levantou e colocou as mãos na cintura.
– Não seja mentirosa, Kinndy. Eu leio todos os dias, mas você ainda está aprendendo. Tudo que você está lendo agora eu já sei. Agora leio assuntos diferentes. Agora vá, antes que eu me arrependa e te passe mais dever de casa.
Sai correndo e fui direto pra casa.
– Veja só quem chegou! Meu pequeno pudim!
Coloquei aquele peso morto em cima da mesa e fiquei feliz em ver que mamãe estava fazendo rosquinhas cobertas de chocolate.
– E como anda seu treinamento para se tornar a maga mais poderosa de Azeroth?
Sentei ao lado dela e suspirei.
– Ah mamãe, estou cansada. Tudo que eu faço é ler e ler e ler… Ainda por cima tenho um Elemental bobo que nem ouve.
Ela limpou as mãos no avental e passou a mão na minha cabeça.
– Melhor assim, não acha? O que você acha que ele faria se ouvisse você o chamando de bobo?
Verdade, melhor assim do que uma morte por congelamento.
– Estou cansada, vou deitar.
Estava subindo as escadas, quase no segundo andar quando escuto:
– Ei, este livro aqui não é seu dever de casa?
Resolvi ignorar e fui direto pro meu quarto.
Já faz um ano que estudo para ser maga e estou quase terminando meu curso na especialização gélida. Jaina me disse que posso escolher apenas mais uma especialização e achei muito interessante a arte arcana. Tem coisa mais linda que soltar magias roxas pelas mãos?
Acordei novamente com um clarão invadindo a janela do meu quarto. Estava quase amanhecendo quando vi uma luz muito forte iluminar toda a parede oposta a minha cama.
Levantei e tentei ver o que era, mais uma vez não consegui ver.
Esses clarões começaram há quase dois anos, quando ainda estava pesquisando sobre as classes que poderia escolher e até hoje não sei do que se trata essa luz tão misteriosa.
– Droga! Preciso me arrumar e ir para casa da Jaina.
Desci as escadas correndo e mamãe estava fazendo os pães para Aimee vender na praça de Dalaran.
– Bom dia, meu docinho. Você quer uma…
Não ouvi o resto da frase, estava atrasada para minha aula. Jaina iria me matar.
– Você está atrasada.
Tentei entrar de mansinho, abri a porta sem fazer barulho, mas essa maga parece uma bruxa. Parece que ela sente meu cheiro de longe e já me dá uma bronca antes mesmo de fechar a porta.
– Eu sei, eu sei… É que… Lembra quando eu te disse daquele clarão que de vez em quando me acorda?
Ela estava fazendo pãezinhos conjurados e não se virou para me responder.
– Hum…
Sentei-me à mesa e cruzei os braços.
– Acordei novamente com essa luz. Já faz dois anos que acordo assim. Estou morrendo de curiosidade. Eu preciso saber o que é isso!
Jaina se virou com uma bandeja cheia de pãezinhos. Estava cheirando muito bem.
– Nossa, que bom que fez comida. Estou morrendo de fome.
Quando estendi a mão para pegar um ela levantou a bandeja numa altura que eu não conseguia mais alcançar.
– Esses são para mim. Hoje você vai aprender fazer os seus.
Apertei o estômago para inibir o ronco que vinha dele. Hoje seria um dia de fome…
Passei dia todo fazendo pães moles e crus. Jaina devia estar me punindo por ter chegado atrasada, era a única explicação que havia encontrado!
Cheguei em casa faminta e de muito mau humor.
– Meu bombom! Que bom que está aqui!
Olhei feio para mamãe.
– Hoje não, mãe. Estou de péssimo humor e morrendo de fome.
Ela veio até mim com uma bandeja cheia de rosquinhas de chocolate. Peguei duas e coloquei na boca, devorando-as.
– Está melhor agora, meu pudim?
Olhei pra ela e balancei a cabeça positivamente.
– Meu amor, seu pai tem uma surpresa pra você. Porque você não vai lá fora?
Surpresa? Eu adoro surpresas!
Saí correndo e vi papai ao lado de um embrulho enorme.
– Vejam só, minha pequena maga…
Ele veio até mim e me abraçou muito forte.
– Meu amorzinho, agora que você completou seu curso de especialização gélida, você é quase uma maga. Basta mais uma especialização para se formar. E eu tenho uma surpresa pra você.
O que seria aquele embrulho enorme? Minha vontade era de ir lá e rasgar o papel que estava encobrindo a tal surpresa.
– O que é, papai? Vamos, estou morrendo de curiosidade!
Ela sorriu e abraçou mamãe que acabara de se unir a nós.
– Vá lá e abra você mesma.
Fui correndo e rasguei o papel. Quando terminei não pude acreditar. Era uma montaria só minha!
– Este é um mecanostruz, feita especialmente para nossa raça. Desculpe, minha princesinha, mas eles não tinham da cor roxa.
Meus olhos se encheram de lágrimas. Uma montaria só pra mim…
– Eu gostaria de te dar mais montarias, mas você sabe que papai não tem condições. Juntei gold toda minha vida para comprar esta pra você.
Olhei para eles e vi o quanto eles me amavam. Eles estavam tão velhinhos e precisavam tanto de mim…
– Eu amo muito vocês, muito.
Os abracei e chorei.
Na manhã seguinte fui para casa da Jaina na minha montaria, mas antes passei onde papai trabalhava e para dar um olá pra ele.
– Ora, vejo que já está domando bem a fera!
Sorri e corri em volta dele.
– Pare com isso, menina. Vai me deixar zonzo.
Sorri novamente e fui correndo para casa da Jaina.
– Você está…
– Estou na hora certa, dona Jaina. Pode conferir.
Fechei a porta sorridente. Ela olhou pra mim séria, abaixei a cabeça por tê-la tratado com desrespeito, mas logo senti a mão dela no meu cabelo.
– Você não tem jeito, minha pequena.
Sorri pra ela envergonhada.
– Está preparada para sua segunda especialização?
Passei mais um ano treinando a arte arcana para finalmente me tornar uma maga completa, claro que eu ainda tinha que ler aqueles tomos mais pesados que eu e não sabia tudo que a Jaina sabia, mas agora nós já fazíamos missões em campo aberto.
A parte mais emocionante foi quando aprendi a fazer os portais e viajei para lugares que nunca imaginei.
Mas em uma tarde, quando eu estava com Jaina sentada na sala comendo pãezinhos conjurados, pude ver que algo a incomodava muito.
– O que foi, Jaina? Porque está tão calada?
Ela olhou pra mim com tristeza e permaneceu muda. Senti que algo estava para acontecer….
** Para saber com detalhes como foi a guerra em Theramore leia o livro Marés de Guerra. O próximo parágrafo retratará o que aconteceu com Kinndy durante e depois da quedra de Theramore. **
Tudo estava um caos, muitos soldados correndo, lutando e morrendo diante dos meus olhos. Vi Orcs brutais matando meus companheiros da Aliança e pude reconhecer alguns rostos dos meus inimigos quando eles passaram por Dalaran, agora não mais amigáveis, mas lutando pelo que acreditavam, lutando pela sua Horda.
Tudo que eu aprendi com Jaina em todos os meus anos de treinamento foram úteis, mas às vezes sentia que não aguentaria tamanha pressão exercida em mim.
Olhei para o céu e vi minha cor favorita vindo em minha direção. Uma bola roxa gigantesca estava descendo e de repente vi minha vida em câmera lenta.
– Mas é uma guerra, Kinndy! Uma guerra!
Mamãe soluçou e chorou, escondendo o rosto no avental.
– Você já uma mocinha, minha filha. Tenho certeza que vai se cuidar.
A voz de papai estava embargada, mas não queria chorar, talvez para ser forte diante de mamãe.
Os abracei e disse em prantos:
– Eu amo vocês. Tudo que sou hoje é pela criação que vocês me deram. Vocês são os melhores pais do mundo. Eu vou voltar em breve, podem ter certeza disso.
Jaina estava me esperando com o portal para Theramore já aberto. Caminhei na direção dela e entramos no portal.
A imensa bola violeta vinha em minha direção e tudo que passava pela minha mente era o quanto amava meus pais e que não conseguiria cumprir minha promessa que havia feito à eles.
Quando a bomba me tocou não senti dor, senti apenas meu corpo ficando leve e cada vez mais leve. Não ouvia nada, nem choro, nem gemidos, nem gritos de guerra, ouvia apenas a voz dos meus pais dizendo o quanto eles me amavam.
Olhei para baixo e vi meu corpo transformado em pó, na cor mais linda que já vi.
Senti uma força me puxando para algum lugar, viajei no espaço de uma forma graciosa e rápida, quando percebi, estava novamente em Dalaran.
Papai estava trabalhando, mas com o olhar triste e preocupado. Tentei abraçá-lo, mas meu novo corpo ultrapassara o dele. Então, toquei o rosto dele, na esperança de que ele pudesse me sentir.
Já não precisava mais de montarias ou andar, agora eu voava. Fui flutuando lentamente pela cidade até chegar em casa.
Vi que mamãe havia deixado queimar seus bolinhos de chocolate e estava sentada à mesa, chorando.
Eu já não conseguia chorar, a paz que estava em mim era tão grande que nenhum sentimento ruim podia me apossar.
Sentei ao lado dela e sussurrei:
– Eu te amo, mamãe.
Permaneci ali por alguns instantes, o dia parecia se manifestar de uma forma diferente para mim. Dias para eles agora poderiam ser horas para mim e não demorou muito até reencontrar minha grande mentora, Jaina Proudmore.
Ela estava diferente, os olhos estavam diferentes, a dor estava tomando conta do ser dela, da alma dela.
Ela entrou na casa dos meus pais e deu a notícia que eu também esperava.
Eu estava morta.
Papai e mamãe estavam inconsoláveis, eu instintivamente os abraceis, mas eles não me sentiram, foi então que papai desvendou o grande mistério que me consumia há quase três anos.
– Eu ia fazer esta surpresa pra ela assim que ela voltasse da sua primeira, grande batalha.
Jaina abaixou os olhos e enxugou discretamente uma lágrima.
Papai todo este tempo estava ensaiando para iluminar a cidade com o meu rosto, com o meu corpo.
A primeira luz tomou forma e lá estava eu, iluminando Dalaran, sorrindo de lâmpada em lâmpada.
Lá estava eu, iluminando o coração de papai e mamãe para sempre, até o dia em que eles se juntariam a mim, para brilharmos juntos, para sempre.
Fim.