– E então? – quis saber Halie após alguns minutos caminhando com pressa.

O grupo formado por seus três acompanhantes indesejáveis corria logo atrás para alcançá-la.

– Acho que devemos entrar rápido e sair mais rápido ainda – disse Ashbury.

– Bom seria se fosse tão fácil assim – Godfrey retrucou. – O Comandante de Campo da 7ª Legião, General Marpetra, está no acampamento. Com certeza é ele quem guarda os planos de batalha, o que significa que…

– É óbvio o que significa, Godfrey – Lorde Walden interrompeu. – Temos que matá-lo. É o seguinte: vigiamos o acampamento pelo tempo que for necessário e atraímos todos os guardas e vigias para o nosso lado. Sutilmente, quero dizer, sem criar alarde, então quando acharmos que é a hora… Há! Atacamos aquele anão pulguento, e ele nem vai saber a cor da carroça que o atropelou.

Halie parou abruptamente e fez com que Ashbury e Godfrey se chocassem contra suas costas.

– Sair por aí semeando a discórdia, é isso o que vocês querem? – perguntou.

Walden olhou para cima com uma expressão pensativa.

– Isso – e sorriu.

Continuaram caminhando até alcançarem a ponte que levava ao acampamento, a sudeste de Lenhardente, e diminuíram o passo até quase pararem. À frente, a muralha de Guilnéas – agora quase nada mais do que uma pilha realmente grande de ruínas – erguia toda sua imponência e fazia sombra por sobre os lagos e árvores que a circundavam.

Atravessaram a ponte com cuidado e encostaram-se atrás de uma grande rocha. Halie espiou por cima da pedra e observou os anões no acampamento, todos ainda um tanto alvoroçados pela queda do vilarejo. Três vigias observavam juntos a fumaça erguendo-se ao longe, concentrados em uma discussão calorosa.

– Há uma outra parte do acampamento ali, perto do lago – Godfrey sussurrou, ainda agachado. Halie olhou para onde ele apontava e notou o amontoado de barracas fixadas à beira de um pequeno lago, um tanto escondidas pelas árvores, vários metros abaixo de onde estavam.

– Não vejo motivos para Marpetra estar aqui em cima – Lorde Walden esticava o pescoço para enxergar. – Aquela parte do acampamento é muito mais protegida…

Dois guardas da 7ª Legião, que caminhavam na direção oposta um segundo antes, viraram-se abruptamente na direção em que Halie e os companheiros se escondiam.

– Abaixem-se! – Halie ordenou, sem saber se tarde demais ou não.

Os quatro aguardaram, encolhidos, até que as cabeças dos dois anões apareceram por cima da rocha e, como se tivessem combinado, os puxaram para baixo ao mesmo tempo. Os vigias tentaram gritar, mas Godfrey e Walden se atiraram rapidamente sobre eles e os deixaram imobilizados no chão.

– Continue vigiando – Godfrey disse a Halie, e ela imediatamente deu as costas ao combate e mais uma vez ergueu os olhos acima da rocha, para espiar o acampamento.

A calmaria continuava a reinar em meio aos sentinelas da 7ª Legião, a despeito da luta que ocorria e da batalha que acontecera em Lenhardente alguns minutos antes. Enquanto espiava, Halie notou que a falta de movimento se mantinha por tempo demais para ser casual. Na realidade, não parecia haver mais soldados por ali, apenas o grupo de três guardas que encaravam a fumaça preta do vilarejo e outros dois, sentados dentro de uma das barracas.

Eles não estão calmos, concluiu finalmente. Apenas não têm mais o que fazer. Haviam enviado praticamente todos os reforços para tomar (e depois para defender) Lenhardente, sem imaginar que a localidade de seu acampamento era de conhecimento dos Renegados e que um ataque poderia ocorrer.

Halie virou-se para contar o que havia acabado de descobrir, mas Lorde Walden estava ao seu lado e parecia já ter entendido.

– É só isso – disse ela, agachando-se novamente. – Não há mais soldados por aqui.

– É o que parece – Walden concordou. – Bem, sendo assim, acho que podemos atacar de uma vez esses cinco pobres coitados. Esqueçam o plano. Da outra parte do acampamento, não é possível enxergar o que ocorre aqui em cima.

– Porque o posto de vigilância é este – concluiu Godfrey em tom monótono. – Vamos logo, então. Quero acabar com isso de uma vez.

Lorde Godfrey saiu andando e foi seguido imediatamente por Walden e Ashbury. Halie levantou-se por último e deu dois passos na direção do grupo, mas os três se viraram para trás de repente e a olharam com uma expressão de piedade.

Walden encostou ternamente a mão em seu ombro antes de trazer à tona seu tom de voz mais delicado para falar:

– Você não, querida.

Halie deu-lhe um tapa no pulso e fez um muxoxo consternado.

– O quê?

Ashbury interpôs-se entre eles e deu uma risadinha encabulada.

– Ele quis dizer que você não… pode deixar de vigiar nossa posição, querida.

– Isso – Lorde Godfrey logo concordou, empurrando-a levemente de volta para a rocha. Halie começara um resmungo mas foi interrompida na hora: – Halie, por favor, desse jeito seremos descobertos… Fique aqui e nos avise se houver qualquer perigo.

Halie encarou-os, indignada, e agachou-se novamente com as costas grudadas à pedra. Ouviu quando a luta começou, mas não fez questão de se levantar para ver como se desenvolvia. Olhando para a frente, fechou as mãos em torno de um punhado de grama amassada e o arrancou do chão; logo em seguida, deixou cada folha escorregar novamente para baixo, hipnotizada pelo movimento que faziam quando o vento batia sobre elas.

Estão me protegendo mais uma vez, pensou, crispando a boca de frustração. Os três não a deixavam se envolver nas lutas que travavam, por mais simples que fossem, e ela precisava ficar sempre para trás, apenas observando. Mas eu deveria estar contente, não deveria?

Criou uma pequena pedra de gelo na palma da mão e atirou-a para a frente. Ainda escutava o tinir das espadas e os gritos de comando de Godfrey, misturados aos urros de batalha dos guardas da 7ª Legião. Halie continuava aguardando, sem saber porque se sentia tão irritada com a atitude dos companheiros Renegados. Eu sempre procurei evitar batalhas, dizia para si mesma, e agora estou querendo correr para dentro delas?

O silêncio pairou novamente sobre os arredores de Guilnéas e Halie ergueu-se lentamente. Godfrey a encarava de longe, aguardando que se aproximasse, enquanto Walden e Ashbury tiravam a lama das roupas.

– Marpetra…? – Halie perguntou.

Godfrey balançou a cabeça.

– Realmente não estava aqui. Precisaremos ir até lá em baixo.

– Ahh, Godfrey… – Halie segurou-o pelo braço antes que se virasse.

Lorde Godfrey olhou-a, intrigado, e aguardou com as sobrancelhas arqueadas. Halie recolheu a mão lentamente e encarou-o, encabulada.

– Me deixe lutar.

Lorde Godfrey sorriu um sorriso esquisito e deu de ombros.

– Agora você quer? – perguntou em tom sarcástico. – Que seja, menina. Só estávamos protegendo-a por duas razões: Sylvana a acha essencial demais para arriscar perdê-la, e… Halie, cá entre nós, todo mundo sabe que você não é muito fã de batalhas, não é? Achamos que estaríamos lhe fazendo um favor ao deixá-la fora disso.

Halie não sabia se devia sorrir. A parte em que Godfrey confirmara que a Grande Dama Sombria a considerava importante a deixara realmente contente, mas…

Quem disse que eu não sou fã de batalhas?

– É, agora eu quero – respondeu finalmente.

Os quatro Renegados seguiram para perto do lago, tomando o cuidado de caminhar perto dos pequenos morros que escondiam a parte baixa do acampamento. Halie esticou o pescoço para enxergar o posicionamento das barracas, mas logo deu dois passos para trás, assustada.

– Acho que é o General – sussurrou. – Está andando entre as barracas, examinando um pergaminho…

Ashbury espiou durante um segundo e depois balançou a cabeça em concordância.

– Parece que é ele – disse. – Mas há alguns guardas…

– Cuidamos de cinco guardas agora há pouco, mais alguns não vão ser problema – Walden concluiu. – Então, qual é o plano?

Godfrey pensou durante alguns segundos.

– Entrar rápido e sair mais rápido ainda.

– Eu disse isso antes! – Ashbury revirou os olhos.

Walden já estava empenhado em empurrá-los para a frente.

– Vamos, vamos, vamos de uma vez – disse. – Agora.

Invadiram a pequena extensão do acampamento da 7ª Legião correndo feito loucos, pegando o Marpetra e todos os seus guardas de surpresa. O General foi o primeiro a se recompor, e Halie viu-o avançando em sua direção. Felizmente, Lorde Walden segurou-o pelos braços e tomou de suas mãos o pergaminho desenhado, que logo tratou de guardar no bolso.

O General contorceu-se até escorregar das mãos de Walden, mas Halie estava preparada para prendê-lo no chão. Seu jato de água gelada formou uma crosta firme em volta dos pés de Marpetra e deixou-o preso ao chão, impossibilitado de correr para qualquer lado que fosse.

– Aqui! – gritou Lorde Godfrey, que lidava com três guardas ao mesmo tempo. – Faça isso aqui!

Halie correu para ajudá-lo e prendeu os três anões da mesma forma que prendera o General. Depois, lançou uma seta de gelo direto nas costas do vigia que lutava com Ashbury, logo à sua direita, e ele desabou na hora.

Ashbury agradeceu-a com a cabeça e passou por cima do corpo do vigia da 7ª Legião. Um outro guarda apareceu às suas costas, saído de dentro da última barraca, empunhando um enorme machado de duas mãos. Desviou-se de duas setas antes de ser acertado por uma terceira no pescoço, e então Ashbury tomou conta do resto.

Walden ainda lutava com o General Marpetra, que tentava se livrar da prisão de gelo enquanto bloqueava os ataques. Halie se aproximou o mais rápido que pôde e preparou mais uma de suas setas de gelo. Sua armadura bloqueou as quatro primeiras, e ele prosseguia no combate singular com Lorde Walden.

Halie não sabia por quanto tempo mais podia continuar com aquilo, e quando já estava começando a ficar preocupada, Lorde Walden quebrou na altura das costelas a placa de peito que o General usava. Halie aproveitou a abertura e mirou suas setas naquela direção. Acertou-o na terceira tentativa, e depois daí as defesas de Marpetra foram enfraquecendo até que se esgotaram por completo.

Os três olharam uma última vez para o resultado de sua invasão antes de deixarem o acampamento. Lorde Walden tirou do bolso o pergaminho que continha os planos de batalha da 7ª Legião e o esticou para Halie.

– Bom trabalho – disse sinceramente.

Halie sorriu e segurou o objeto com as duas mãos. É, bom trabalho, repetiu para si mesma. Talvez eu esteja me tornando uma Renegada de verdade.