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Este é o 6º artigo de 46 posts da série Entre Homens e Lobos.

Boa leitura!


Dareon prendeu a respiração por um momento, sem reação diante da cena que presenciava. Um dos guardas lançou-lhe um rápido relance e voltou-se novamente para os worgens.

– O que está fazendo parado aí? – gritou de costas. Dareon não respondeu, então o soldado virou-se mais uma vez em sua direção. – Você aí! Vá embora, rápido! Antes que isso acabe com você também…

O som de tecido sendo rasgado foi seguido do tinido da espada atingindo o chão de pedra. Em um instante, o guarda que falava estava bamboleando, com o braço coberto de sangue e a arma aos seus pés. Um dos worgens empurrou-o para o lado com violência e correu na direção de Dareon, estendendo as garras na altura de seu peito e rosnando ameaçadoramente.

Dareon afastou-se para trás e tirou seu machado da cintura. Abateu o worgen com um único golpe e, depois de ter certeza de que estava morto, agachou-se ao seu lado para examinar a criatura. Espantosamente, ainda mantinha uma cartola na cabeça, e o paletó que cobria seu corpo estava praticamente inteiro.

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– Desculpe, companheiro – murmurou. Ainda parece quase humano desse jeito, amigo. – Seja lá quem você… foi.

Olhou na direção dos guardas novamente. Um deles havia se afastado e arrastava o amigo ferido para um canto, esforçando-se para sustentá-lo em apenas um braço enquanto mantinha a espada erguida com o outro. Outros dois pareciam indecisos entre continuar cutucando os worgens com a ponta das espadas ou olhar para o guarda caído, agora quase desmaiado, estirado na calçada fria. Poucos soldados permaneciam em posição, e Dareon percebeu que era só questão de tempo até que fossem derrotados. Em outros pontos da cidade, os worgens certamente já deviam ter tomado o controle, e ali não seria diferente. Decidiu, por fim, que era melhor correr ao encontro de Rei e avisá-lo sobre a situação antes que fosse tarde demais.

O Paço Greymane ficava logo à frente em linha reta. Dareon chegou, afobado, e quase engasgou-se ao ver as figuras de Genn Greymane e Darius Crowley encarando-se no meio da praça, cercados por uma plateia de cidadãos refugiados.

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– Se conseguirmos passar pelos portões do Refúgio do Ocaso, estaremos a salvo – disse o Rei. – As montanhas ao leste são praticamente intransponíveis.

Lorde Crowley assentiu.

– Precisamos manter a atenção dos worgens voltada para a cidade, Genn. É a única chance de os sobreviventes chegarem ao Refúgio.

– Eu ficarei aqui com a Guarda Real, meu pai – disse Liam Greymane de repente, e só então Dareon notou sua presença. O príncipe trotou com seu cavalo para perto do Rei. – É o meu dever para com Guilnéas.

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– Sem chance, garoto – disse Crowley bruscamente. – Guilnéas precisa de toda a atenção do Rei. Seu pai não pode ficar preocupado imaginando se o filho dele está vivo ou não.

Liam abriu a boca para protestar, mas Lorde Crowley ergueu a mão e interrompeu-o antes mesmo de começar.

– Meus homens e eu vamos nos refugiar na Catedral Aurora da Luz – disse. – Eu já dei as ordens e os canhões estão a caminho.

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Crowley aproximou-se lentamente do Rei e estendeu-lhe a mão.

– Cuide bem do nosso povo, Genn.

– Fomos tolos em erguer nossas armas um contra o outro, Darius – disse Greymane, analisando-o de cima de seu cavalo. Apertou sua mão e fez um leve movimento com a cabeça. – Os worgens nunca teriam chance…

O momento estendeu-se por mais alguns segundos, até que Liam apontou para Dareon e gritou seu nome.

– Ei! – disse ele. – Você de novo!

– Oh, Dareon – Greymane cumprimentou-o. – Que bom vê-lo a salvo. Você sabe como é, nunca sabemos se estamos nos despedindo das pessoas para encontrá-las novamente logo depois ou se é pela última vez… – suspirou. – Não nos restam muitas opções, rapaz. A decisão sobre o que faremos agora é crucial.

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Quando Dareon abaixou a mão após o cumprimento do Rei, sentiu o ombro queimar por um momento. Ignorou a dor e forçou-se a parecer animado a ajudar.

– Então – sorriu –, o que faremos para desviar a atenção dos worgens?

Liam Greymane pareceu impressionado.

– Você não vai embora? – perguntou. – Vai ficar?

– Olhe, rapaz – disse Lorde Crowley antes que Dareon pudesse responder. – Você não precisa fazer isso. Já fez sacrifícios demais para nos ajudar. Mas se você decidir ficar… eu seria um idiota se o dispensasse.

Dareon assentiu com a cabeça. Darius Crowley sorriu em aprovação.

– Meus homens consolidaram suas posições dentro da catedral e estão prontos para o próximo passo – continuou. – Estou indo até lá mandar para o túmulo todos os demônios pulguentos que eu conseguir. Sinta-se à vontade para me acompanhar.

Lorde Darius subiu em seu cavalo e esticou a mão para receber uma tocha acesa de um soldado. Dareon tomou impulso e montou logo atrás, sentindo as fisgadas no ombro tornando-se cada vez mais fortes. Recebeu outra tocha e mal teve tempo de acenar para o Rei em despedida antes de ouvir o relincho do cavalo quando Crowley o girou na direção do Distrito da Catedral.

Cavalgaram pelas ruínas desertas de Guilnéas e ainda não haviam se distanciado muito quando encontraram os primeiros worgens. Estavam agrupados em frente à uma ponte e, atrás deles, uma barricada bloqueava a passagem para o pátio da catedral. Com um breve relance, Dareon pôde perceber que o número de criaturas era muito maior do que imaginara a princípio.

– Mas o que… – Crowley murmurou, também chocado com a quantidade de worgens amontoados em volta da catedral.

A praça estava absolutamente tomada. Dareon notou que mais cidadãos haviam decidido ficar na cidade para lutar, e ajudavam a formar a a cerca viva que protegia as escadarias da catedral. Soldados armados impediam a passagem dos worgens para dentro do prédio, ladeados pelos enormes canhões que antes fizeram parte do arsenal rebelde de Lorde Crowley. Não havia um canto livre sequer, uma vez que as criaturas se dispersavam violentamente a cada tiro. Dareon fechou os olhos quando sentiu que Crowley apertava as rédeas. O cavalo atravessou a ponte e pulou por cima da barricada, passando por meia dúzia de worgens que rosnaram e tentaram arranhá-lo no ar.

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Quando o cavalo aterrissou no chão novamente, Dareon virou-se para trás e jogou a tocha na barricada de madeira, fazendo com que os worgens corressem para o meio do pátio, em direção aos tiros de canhões. Crowley guiou a montaria até a escadaria e pulou enquanto ainda trotava, correndo em seguida na direção de um homem parado no topo das escadas. Sozinho em meio à multidão, Dareon agachou-se atrás de um canhão e observou a luta até que ouviu uma voz chamando-o.

– Ei, você! Aqui!

Dareon demorou a encontrar a fonte do chamado. Era difícil identificar a direção do som em meio a tiros e rosnados, mas finalmente conseguiu enxergar a figura de Tobias Brumanto acenando-lhe do topo da escadaria, em frente à enorme porta da catedral.

Cuidadosamente, aproximou-se devagar por detrás dos canhões e subiu as escadas, puxando o cavalo pelas rédeas. Não conseguiu enxergar Lorde Crowley em lugar algum.

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– Como foi que isso tudo aconteceu? – perguntou, apontando para o pátio.

Tobias suspirou e ergueu novamente sua espingarda.

– Se quisermos reduzir o contingente deles, a hora é agora – murmurou. – Estamos bem posicionados e temos poder de fogo. Só resta saber se temos a coragem…

– Eu posso cuidar dos canhões – disse Dareon.

– Ótimo – Tobias assentiu com a cabeça. – Obrigado, Dareon. Vamos reduzir esses pulguentos a sangue e cinzas.

Dareon correu até um dos canhões para atirar, sentindo dificuldade até para respirar. Apoiou-se para recuperar o fôlego e então mirou em um grupo de worgens amontoados. Observando a efetividade da atitude, outros soldados que estavam por perto tomaram outros canhões e também começaram a atirar da mesma forma. Em alguns minutos, havia uma boa quantidade de criaturas caídas, enquanto as que conseguiam sobreviver procuravam esconder-se em algum canto inatingível.

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– Bom trabalho, bom trabalho – gritou Tobias após um tempo. Fez um sinal com a mão para que Dareon se aproximasse e então disparou um tiro contra um worgen que se aproximava. – Você fez mais do que poderíamos exigir de qualquer guilneano, rapaz.

Dareon sentia-se um pouco tonto depois do esforço. Fez força para sorrir de forma amigável, mas agora o ombro latejava mais do que nunca e era quase impossível ignorar a dor.

– Estamos quase sem munição – prosseguiu Tobias, baixando sua espingarda. – Acho que precisaremos nos reagrupar lá dentro agora.

– Certo – Dareon respondeu num sussurro fraco, aninhando o ombro machucado com o outro braço.

– Uma pena, se quer saber minha opinião – Tobias chacoalhou a cabeça. – Nossa munição seria suficiente para um mês de guerra civil, mas os worgens são tantos que ficamos quase sem nada. Mas se tem uma coisa em que eu acredito, é que é necessário retroceder às vezes, render-se jamais. Não queremos ser pegos desprevenidos, não é? O chefe está aí dentro da catedral. Tenho certeza de que o velho Crowley nos dirá o que fazer.

Dareon respirou fundo. Assentiu brevemente com a cabeça antes de virar-se na direção da catedral.

– Está tudo bem com você? – Tobias gritou, mas não obteve resposta.

Dareon arrastou-se até a entrada da catedral e caminhou com dificuldade pelo enorme tapete de veludo que traçava o caminho até seu interior. Assustou-se quando se deparou com vigias armados logo no portal, mas passou direto por eles e dirigiu-se até Lorde Darius Crowley, que o observava de cima do altar.

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– Ei – Crowley cumprimentou-o com um aceno de cabeça e ergueu novamente sua espingarda. – Que bom que conseguiu se virar lá fora.

– Estamos sem munição – disse Dareon, sem paciência para qualquer outra explicação.

– Nós fomos com tudo para cima deles – Crowley suspirou –, e ainda assim eles continuam avançando. Mas não se preocupe, vamos matar muitos mais antes do sol se pôr.

Darius Crowley encarou-o por um momento.

– Você está bem? – perguntou, olhando para o ferimento de Dareon. – Isso aí é…

O som de gritos interrompeu-o de repente. O tão conhecido rosnado das criaturas pôde ser distinguido novamente, agora mais próximo do que deveria, e, em segundos, a catedral estava cheia de soldados e cidadãosm misturando-se numa correria desesperada. Os worgens entraram logo em seguida, atacando qualquer um que estivesse em seu caminho, e os pobres civis quase não conseguiam se defender das investidas.

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– Pode começar a rezar, se você for dessas coisas – murmurou Crowley. – Estamos encurralados.

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Dareon olhava para todos os lados, tentando encontrar uma porta ou janela que servisse de saída alternativa. Sentia a cabeça pesada e sua visão começava a embaçar, mas forçou-se a correr ao socorro de guilneanos que gritavam por ajuda. Precisou sacar seu machado para desviar a atenção de alguns worgens, e, enquanto os soldados se organizavam, até conseguiu abater um deles com o resto da força que lhe restava.

Então é isso?, concluiu febrilmente. É essa a resistência final que tanto lutamos para construir?

Um soldado tomou seu lugar no combate contra dois worgens. Dareon fechou os olhos por um momento. Ouvia os tinidos de espada e os gritos como se estivessem acontecendo dentro de sua cabeça. Sentia seu corpo pulsar a cada ruído, e quando tentou focar em um ponto do salão, o mundo não quis parar no lugar.

Crowley o encarava com o semblante fechado, a espingarda pendurada ao seu lado. Dareon deixou que o machado escorregasse de suas mãos e caísse pesadamente no chão aos seus pés, escutando mais gritos a cada segundo que se passava. Pessoas corriam para longe, mas ele não entendia o motivo.  Uma dor paralisante estendia-se de seu peito para o resto do corpo, e, mal aguentando ficar em pé, Dareon caiu de joelhos no chão de madeira, tentando recuperar todo o ar que lhe faltava.

Escutou quando seu nome foi pronunciado por alguém num tom de pavor, mas não quis erguer os olhos para identificar quem gritava. Parem de gritar, pensava, suplicante, mas nenhum som saía de sua boca. Dareon não entendia o que estava acontecendo, mas algo mais forte o impedia de tentar compreender.

Com um último esforço para focar a visão, conseguiu distinguir a figura de Darius Crowley o olhando de longe, berrando ordens para todos os lados. Dareon encarou-o durante dois segundos e então obrigou-se a fechar os olhos, sentindo um solavanco no peito que o fez contorcer-se violentamente. Desejava perguntar o que estava havendo de tão aterrorizante, mas não conseguia movimentar-se por conta própria por mais que lutasse contra aquele poder sufocante que o dominava.

Gritou. Uma brasa explodiu em seu peito e Dareon ouviu o som de tecido se rasgando. A cabeça pesava mais de uma tonelada e, quando tentou se levantar, mal conseguiu sustentar-se em pé. Inspirou profundamente uma vez e conseguiu sentir o cheiro da chuva e do mar, o cheiro da grama molhada e de suor… e sentia algo mais. Era cheiro de medo.

Urrou tão alto quanto podia e arreganhou os dentes, então finalmente abriu os olhos para encarar o mundo de cima.

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