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Este é o 9º artigo de 23 posts da série Renegada.

Halie demorou mais tempo do que gostaria para balbuciar uma tentativa de resposta. Quando Rutsak perguntou “o quê?” pela segunda vez, ela torceu as mãos e respondeu-lhe novamente – mas até sua voz mais forte saiu amedrontada e com pouca convicção.

– Eu vou tentar.

– Não – falou o Capitão. Halie ficou confusa.

– Não o quê, Capitão?

– Não vai tentar – explicou. – Você não tem a opção de falhar, menina. Se diz que vai tentar, já está pensando no fracasso. Ã-ã – ele chacoalhou um dedo quando Halie meneou a cabeça em discordância. Sentou-se na beirada de uma cama antes de continuar. – Não diga que não, porque é isso, sim. Você não tem mais permissão para tentar, seja lá o que for.

– Ah… eu… sim, Capitão – disse Halie, desconcertada. – Desculpe. Às suas ordens.

Olhou para fora e percebeu que a chuva havia aumentado de intensidade, mas ainda não era suficiente para apagar o fogo que consumia os corpos dos Renegados abatidos. Saiu rápido de dentro da pequena casa e correu para abrigar-se sob as compridas árvores que cercavam a Guarda de Rutsak.

Encarou a enorme muralha de Guilnéas e encolheu-se junto a uma árvore.

– Alô – disse para o D.C.R., erguendo-o à altura da boca. – Comandante?

– Halie? – respondeu a voz do Comandante, entrecortada pelos ruídos do dispositivo. – Onde você está?

– Rumo à Guilnéas. Tenho alguns soldados da 7ª Legião para matar.

O quê? – o Comandante gritou após alguns segundos. – Por quê?

– Rutsak. Sua guarda também pereceu, mas parece que o Primeiro-sargento deixou-o vivo para testemunhar a glória da 7ª Legião – explicou Halie. – Ele ordenou que eu invada Guilnéas e mate os soldados da Aliança para vingar os Renegados. Achei… achei melhor informar-lhe isso, senhor.

– Pois fez muito bem. Eu… eu não acredito que a 7ª Legião está aqui. Halie, esta é uma oportunidade única! Você disse algo sobre um Primeiro-sargento? Pietro Zaren, por acaso?

– Sim, senhor. Foi ele.

– Halie – o Comandante parou de falar por alguns segundos, e tudo o que se ouvia eram chiados. – Você precisa mesmo ir até Guilnéas. Eu… eu nem imaginava que eles pudessem vir para cá. A 7ª Legião é um regimento de operações especiais de elite. Eles têm agido por debaixo dos panos em quase toda ofensiva militar de monta da Aliança. Isso não é bom… Como eles passaram por nossos navios de guerra? E a mando de quem?

– Sim, Comandante, mas… sozinha?

            – Halie, você será muito mais difícil de ser detectada do que um batalhão completo. Por mais mortos-vivos que enviemos, a guarnição em Guilnéas com certeza terá muito mais homens para combatê-los. Você pode se esgueirar pelos cantos, se esconder, abater silenciosamente algum soldado que apareça em seu caminho…

Halie aguardou um segundo antes de responder.

– Entendi, senhor.

– Certo – a voz do Comandante soou aliviada. – Agora preste atenção: precisamos botar as mãos nas ordens deles. Esse tal Pietro com certeza tem informações importantes. Deve estar em algum lugar, em Guilnéas. Elimine-o, reviste o cadáver e procure por pistas.

– E como é que eu faço isso? – Halie quase gritou, sua voz mais estridente do que pretendia.

– Halie, você sabe o que fazer. Eu preciso desligar. Boa sorte.

O D.C.R. silenciou, deixando a morta-viva com a boca meio aberta, olhando-o fixamente. Depois que conseguiu voltar a si, demorou o máximo de tempo que se atrevia para guardar o dispositivo e tomou coragem para atravessar toda a floresta que cercava a muralha até encontrar a entrada de Guilnéas.

Caminhou silenciosamente sob a chuva e encarou de longe a enorme ponte que levava à cidade. Avistou inúmeros worgens que faziam a patrulha do portão e continuou seu caminho esgueirando-se pelos muros que ladeavam a estrada, torcendo profundamente para que nenhum deles notasse sua presença.

Felizmente, não notaram. Halie entrou em Guilnéas e escondeu-se atrás da primeira coluna em meio às ruínas que encontrou. A cidade toda parecia em ruínas, na realidade, toda cinzenta e melancólica, banhada pelo temporal que se arrastava havia horas.

A praça que ficava logo na entrada estava apinhada de soldados, mas Halie logo percebeu que, apesar da aparência, eles não eram tantos. O lugar era grande e não havia sequer um grupo de soldados, que se arriscavam sozinhos em suas rondas, esforçando-se para cobrir todo o terreno.

Melhor para mim, disse a si mesma, olhando em todas as direções para examinar a praça. Estava analisando qual soldado atacaria primeiro, considerando suas posições e a proximidade com outros soldados quando seu olhar percorreu rapidamente uma escadaria ao longe. Halie estacou por um momento e encarou o lugar novamente.

Em pé, no topo das escadas, guardando a porta de uma grande Catedral, uma figura permanecia imóvel, apenas mexendo a espada de vez em quando e gritando ordens para algum soldado distante. Halie se encolheu um pouco mais, guardando a certeza de que aquele era ninguém mais, ninguém menos, do que o seu alvo principal.

De longe, não parecia tão perigoso assim. Vestia-se como qualquer outro soldado e não havia nada de especial em sua aparência. O que o diferenciava naquele momento era apenas sua posição, evidentemente elevada das demais, de onde provavelmente conseguia obter uma visão ampla de toda a praça.

Halie sabia que seria difícil matá-lo, no entanto, e que Zaren não era tão vulnerável quanto parecia. Além disso, precisava ainda encontrar uma maneira de chegar até ele – de preferência, sem fazer alarde de sua presença.

Uma tentativa de grito interrompeu seu planejamento subitamente.

– Renegad…

Halie viu o soldado da 7ª Legião ser arremessado para longe antes de terminar a palavra. Quando conseguiu desprender os olhos do corpo inerte, encarou as próprias mãos, assustada, e tentou lembrar-se de como fizera aquilo. Agachou-se novamente e se arrastou até o soldado, olhando-o com cautela, com medo de que pudesse se levantar a qualquer momento e atacá-la.

Ele a avistara de longe e tentara avisar aos companheiros sobre a presença indesejada de uma morta-viva na cidade. Halie virara-se em sua direção de forma impulsiva, com as mãos estendidas à frente, e a próxima coisa de que se lembrava era vê-lo estatelar-se no chão de pedra. Tudo numa fração de segundo.

As roupas do soldado desconhecido estavam molhadas e aderiam ao seu corpo por baixo da armadura pesada. Halie quase sorriu. Estendeu uma das mãos e deixou que algumas gotas de chuva caíssem livremente sobre sua palma apodrecida. Depois, puxou-a para si e a olhou fixamente.

O efeito ocorreu em menos tempo do que esperara. Halie levantou-se e chacoalhou a mão para livrar-se das pedras de gelo que haviam se formado por sua vontade. Deliberadamente, saiu detrás de seu esconderijo e correu abertamente pela praça em direção ao primeiro soldado que avistou. Este soldado também correu ao seu encontro assim que a viu, brandindo sua espada e gritando para alertar os colegas.

– Invasão! – ouviu alguém gritar ao longe. Halie estendeu as duas mãos na direção de um dos soldados e fez com que uma seta de gelo o acertasse no peito. – Renegados!

Derrubava-os antes que conseguissem chegar perto para enfrentá-la. Halie perdeu as contas de quantas tentativas de ataque sofreu, todas falhas, e, ao final do combate, uma legião de soldados mortos estendia-se por toda a praça.

Ergueu os olhos lentamente e viu o Primeiro-sargento Pietro Zaren encarando-a do topo da escadaria, tão imóvel quanto antes, como se nada houvesse acontecido.

– Ei! – gritou para ele, caminhando em sua direção, a raiva anuviando qualquer outro pensamento. – Ouvi falar de você, primeiro-sargento. É o covarde que ataca na calada da noite, não é?

– Você deve ser mesmo muito confiante em si mesma para entrar dessa forma na minha cidade e desafiar meus soldados. E ainda por cima sozinha. Acha que é imortal, criatura? Aliás, foi impressionante – ele apontou para a praça com o dedo. – Esse seu… hum, espetáculo.

– Talvez seus soldados também pensariam dessa forma – respondeu Halie –, se tivessem sobrevivido ao meu ataque. E esta não é a sua cidade.

Zaren riu abertamente.

– Pensa que só tenho esses soldados, aberração? Há muito mais. Não importa quem ou quantos de nós você ataque, sempre haverá outros para persegui-la.

– Certo. E estão escondidos em que parte da praça? Porque sinceramente, primeiro-sargento, só consigo visualizar nós dois por aqui.

– E você acha que pode me derrotar? – ele gritou. – A mim? Não seja tola. Não sou primeiro-sargento da 7ª Legião à toa, tampouco sou amador como esses iniciantes que você acabou de derrubar. A conversa está muito boa, menina morta, mas eu não tenho tempo para isso. E quanto à você… acho que é melhor que volte de onde nunca deveria ter saído: da tumba.

Halie percebeu que apertava as mãos com força e tinha os dentes trincados enquanto encarava o sargento. Seu discurso prepotente aumentara ainda mais a raiva que sentia e, no momento em que Zaren pôs um pé no degrau da escada, Halie ergueu os braços e o atacou de longe, como fizera com todos os outros soldados.

O brilho azulado emanou de suas mãos, a seta de gelo zuniu na direção de Zaren…

… e ele riu, esquivando-se habilmente.

– Já disse que não sou idiota – disse, brandindo sua espada na direção do pescoço de Halie. – Passei mais da metade da minha vida lutando.

Halie precisou virar-lhe as costas e correr. Zaren perseguia-a, aproximando-se cada vez mais, a lâmina reluzente da espada pronta para cortar o que quer que cruzasse seu caminho.

Quase escorregou no chão molhado e agarrou-se a um pilar de pedra quebrado. O tempo que levou acabou fazendo com que o sargento a alcançasse, e Halie começou a desviar dos ataques de forma aleatória, mantendo como escudo apenas as ruínas da coluna.

Olhou para a poça de água que formara-se no exato local onde Zaren pisava. Deu dois passos rápidos para trás e congelou seus pés, deixando-o impossibilitado de sair do lugar.

– O que…

Halie deixou-o resmungar sozinho e correu de volta às escadas. Zaren permanecia de costas, debatendo-se para tentar se livrar do gelo em seus pés. Halie soltou mais uma de suas setas geladas na direção do sargento, mas o máximo que conseguiu foi acertá-lo na perna direita. Culpou-se pela mira ruim e, quando se preparava para outro lançamento, Zaren conseguiu erguer a perna boa depois de um grito e virou-se de frente para ela.

– É só isso? – berrou para ela, puxando a perna ferida do gelo quebrado.

– Quer mais? – Halie gritou em resposta, tirando dos olhos os cabelos molhados que atrapalhavam sua visão.

Zaren correu o mais rápido que conseguia com uma das pernas quase invalidada e alcançou-a no meio da escadaria. Halie via a fúria da batalha em seu olhar quando a espada subiu ferozmente, pronta para descer e desferir o golpe fatal…

… e, como se tivesse sido desligado, Zaren deixou-a cair no piso e tombou para a frente, atingido por uma seta na barriga e outra no peito.

Halie pulou para trás quando sentiu o corpo inerte do sargento cair de encontro ao seu. Cutucou-o levemente e, quando teve certeza de que havia cumprido seu dever, abaixou-se para revistá-lo. Por baixo de sua armadura, tateou os bolsos da camisa e só parou quando sua mão tocou em um pergaminho dobrado. Tomou-o para si e escondeu-o rapidamente, depois atravessou a praça novamente, encarando as figuras caídas de todos os soldados da 7ª Legião que abatera.

Percebeu que estava esgotada. No que foi que eu me transformei?