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Este é o 2º artigo de 23 posts da série Renegada.

 

Halie andava lentamente, resmungando baixinho, chutando as pedras que ocasionalmente apareciam em seu caminho. Depois de conversar com a Grã-boticária Jana T’veen, trazia constantemente no rosto uma expressão fechada que refletia sua preocupação e afastava qualquer um que pensasse em se aproximar.

– Vai acabar refém de um desses worgens se continuar se comportando assim – alertou-lhe uma sentinela.

Halie a ignorara. Ainda precisava encontrar alguns animais sãos para cumprir a tarefa – nada agradável – que lhe fora atribuída pela Grã-boticária.

“Vamos precisar de entranhas frescas de animal para finalizar essa nova praga”, dissera ela. Halie não prestara atenção no resto da explicação, mas com certeza era alguma coisa sobre animais infectados que agora não podiam mais ser utilizados – nada que lhe importasse, na verdade, porque naquele momento ela finalmente descobrira, para seu horror, o que estava fazendo.

Finalizar a praga! Sylvana está desobedecendo as ordens e nós a estamos ajudando, pensou, chocada.

Era óbvio, não era? Aquela cena com Garrosh… Todos fingiram se curvar perante suas ameaças, mas nunca ninguém planejou realmente interromper os planos da Dama Sombria.

Halie ainda não havia se recuperado do encontro entre Garrosh e Sylvana. Os Renegados do Alto Comando falavam aos sussurros e planejavam coisas secretas, mas Halie jamais pensara que existia um motim organizado. Bem, agora descobrira que também ela fazia parte da rebeldia, uma vez que colaborava com a produção da praga proibida.

Fechou os olhos enquanto abria um urso para tirar-lhe as partes. Fazer aquilo era tão desagradável quanto algo podia ser, mas a Grã-boticária fora clara ao pedir apenar tripas frescas, que seriam misturadas com ruinerva feroz para a produção da praga.

Ao final do dia, Halie retornou com a encomenda, toda suja de entranhas e sangue, sentindo-se a criatura mais desprezível de toda Azeroth.

– Ótimo! – gritou a Grã-boticária. – Agora vamos poder testar a nova cepa de praga. Agora só falta escolhermos um alvo adequado…

Halie voltou até ela mais tarde, depois de se limpar, e percebeu que a mistura já estava pronta. Alguns frascos estavam separados e empacotados para viagem.

– O preparado finalmente está no ponto – disse a boticária. – Mas, antes que eu possa aprovar esse trabalho, vamos precisar testá-lo.

Em mim?, Halie alarmou-se por um instante – mas logo em seguida pensou melhor. Ah, claro que não, eu já sou uma Renegada…

– Fale com o Tratador de Morcegos Vermebafo, aqui mesmo no Alto Comando, e solicite um morcego. Vá até as Ilhas da Aurora, a leste daqui, depois do Espelho de Lordaeron, bem no centro da depravação. – disse a Grã-boticária. – Lá ficam os covis dos murlocs Pinavil. Use o preparado sobre eles e volte com um relatório. Não quero que sobre um!

Halie sobrevoou as Ilhas da Aurora e matou algumas dezenas de murlocs apenas derramando a substância sobre eles. O experimento tinha dado certo, pelo que podia perceber, e sua potência era assustadora. Só esperava que a boticária não estivesse pensando em distribuir aquilo para ser ingerido…

– Há! – a Grã-boticária quase deu pulinhos quando ela retornou com o resultado do teste. – Se eu pudesse, matava mil! Na verdade, acho que é possível. Talvez eu coloque isso no rótulo… – sorriu. – Você trabalhou bem, Halie, e nós aqui sabemos como recompensar trabalhos bem feitos.

Me deixar fora disso já seria recompensa suficiente, Halie pensou, mas achou melhor não demonstrar seu medo. Agora era uma Renegada, não era? Devia servir à Dama Sombria incondicionalmente, e aquele era seu plano.

Preciso parar de pensar como humana.

Não a deixaram fora de mais nada, afinal. Parece que a ideia de “recompensa” da Grã-boticária era fazer com que Halie participasse ainda mais ativamente das operações do Alto Comando. Alguns dias depois, quando ela já pensava estar livre dos papeis indesejados nos planos secretos, sua presença foi solicitada pelo Comandante Sicário Belmonte, que desejava lhe dar uma nova missão.

– Oh, Halie! – disse o Comandante. – É você, não é? A garota que testou o preparado… Bem, você agora faz parte da Nova Unidade de Batalha da Cidade Baixa.

Halie quase se engasgou.

– É o seguinte – continuou o Comandante – Faz três dias que eu enviei a sicária Yorick em uma operação secreta. O objetivo dela era retornar com informações sobre a Frente de Libertação de Guilnéas. Pois é. Três dias, e ela ainda não deu notícias. – ele suspirou, cansado. – Siga para sudoeste e encontre Yorick, Halie.

Halie partiu a contragosto, mas ainda assim preocupada com o paradeiro da sicária desaparecida. Ela poderia estar em perigo, com todos aqueles worgens soltos por aqueles lados, preparados para atacar qualquer Renegado desprotegido que cruzasse seu caminho.

Enquanto caminhava, escondendo-se atrás de árvores e arbustos quando encontrava oportunidade, Halie começou a escutar ruídos.

– Olá? – sussurrou ao vento. – Tem alguém aí?

Estava atrás de uma pequena casinha de madeira caindo aos pedaços – um banheiro externo abandonado, provavelmente –, observando o que restava de uma plantação e as casas ao redor. O ruído que ouviu foi mais alto da segunda vez, e ela percebeu que vinha de dentro.

– Yorick? – Halie chamou baixinho. – É você?

Como não obteve resposta, tentou novamente:

– Quem está aí?

Shh! Fique quieta! – uma voz impaciente lhe respondeu, e definitivamente vinha de dentro da casinha. – Sou eu. O que é que você quer?

– Yorick? – Halie colou o ouvido à madeira. – Vim atrás de você! O Belmonte diz que já faz três dias que você partiu e ainda não recebeu nenhuma notícia.

Yorick riu sarcasticamente.

– Então o Belmonte ficou nervoso e já mandou uma novata procurar por mim? Olha, eu tenho vigiado o velho chalé dos Ivar daqui da casinha já tem três dias. Sua presença aqui ameaça arruinar toda a operação!

– Mas não é minha c…

– Não tenho tempo – Yorick a cortou. – Precisamos agir agora, ou nossa missão estará em perigo.

– O que está planejando? Olha, me desculpe, mas o Comandante está preocupado. E com razão, porque, pelo que me parece, você tem umas intenções perigosas

– Pois tenho mesmo. – Yorick respondeu, para total surpresa de Halie. – É o seguinte: já que veio, vai me ajudar. O líder da Frente de Libertação de Guilnéas, Darius Crowley, tem se reunido com outros worgens dentro desse chalé nos últimos três dias. Não tenho certeza do que está acontecendo, mas precisamos entrar e encontrar um bom esconderijo de onde possamos escutar as conversas.

Halie retesou-se e permaneceu quieta. Yorick deve ter percebido a hesitação mascarada por trás do silêncio, porque acrescentou logo:

– É agora ou nunca. Podemos não ter outra chance.

– Vamos – respondeu Halie, fingindo ter encontrado coragem.

A sicária Yorick abriu a porta da casinha, observou por uma fresta e saiu rapidamente. Acenou com a cabeça e virou-se na direção do chalé. Antes de caminhar até lá, no entanto, ela virou-se novamente e segurou o braço de Halie, sussurrando com urgência:

– Me prometa que, se eu não conseguir, você retornará ao Alto Comando dos Renegados e informará Belmonte do que nós descobrirmos. – ela fez uma pausa e a encarou. – Está proibida de tentar me ajudar. Permaneça a salvo no seu esconderijo, não importa o que aconteça.

Halie engoliu em seco e anuiu silenciosamente. Então, amedrontada e insegura, seguiu Yorick até o chalé. Entraram rapidamente e subiram as escadas até um quarto simples.

– Lá! – apontou Yorick. – Se esconda no armário! Eu me escondo nas sombras perto de você.

Halie entrou no pequeno armário e fechou a porta. Yorick estava do lado de fora, ocultada pela lateral do mesmo armário, agachada num canto pouco iluminado – devia querer estar preparada para agir rapidamente se fosse necessário. Permaneceram em silêncio por algum tempo até que ouviram passos se aproximando.

– Já refletiu mais sobre a minha proposta, Ivar? – perguntou Lorde Darius Crowley, que acabava de entrar no aposento.

– Por que eu confiaria em você agora, Crowley? – perguntou o Líder da Matilha Ivar Dentessangue, que apareceu logo atrás de Crowley e parou à porta. – Você nos abandonou. Nos deixou para morrer.

– Se quisermos vencer essa guerra, vamos precisar de sua ajuda. Nossas matilhas precisam se unir! Do contrário, os Renegados vão nos destruir. Você é o macho-alfa, Ivar. O resto dos lupinos de Pinhaprata fará o que você mandar.

– Não me importo com a sua guerra, Crowley. Mas… Eu vi pessoalmente do que os Renegados são capazes. Eles nos caçam… massacram os indefesos…

– Então… Você ajudará?

– Sim. Vou reunir minha matilha. Nós…

Ivar Dentessangue ergueu seu enorme focinho e farejou o ar. Em seguida, caminhou lentamente na direção do armário em que Halie estava escondida. Mas não abriu a porta, limitou-se a olhar para o canto onde Yorick se escondia e esticou o braço.

Halie apertou os olhos e se encolheu ao ouvir o grito. Tremia descontroladamente dentro do armário.

Não abra a porta, não abra a porta, por favor, não abra…

– Parece que estamos sendo vigiados, Crowley – disse Ivar enquanto arrastava Yorick e a erguia do chão. – Você amoleceu. Deve ser culpa do Greymane…

Ele não abriu a porta, afinal. Estava concentrado demais sufocando Yorick – que tinha metade de seu tamanho – para se preocupar com outros espiões escondidos.

– O que você tem a dizer agora, espiã? – gritou Ivar, triunfante.

– Eu vivo… – disse Yorick entre gemidos agonizantes – e morro pela Rainha Banshee!

Ivar Dentessangue soltou uma gargalhada rouca.

– Eu esperava que você dissesse isso.

E, como se fosse uma trouxa de roupas, ele atirou o corpo de Yorick para fora do quarto.

– Vou preparar a matilha – disse para Crowley. – Vai levar um tempo para juntar todos, mas vamos nos unir… por ora.

Darius Crowley assentiu e os dois se foram. Halie permaneceu quieta por mais alguns minutos, temendo a cena que encontraria quando saísse de dentro do armário.

Por fim, tomou coragem e empurrou a porta lentamente. Não se ouvia nenhum barulho vindo de dentro do chalé, apenas o restolhar das folhas roçando na madeira do lado de fora.

Quando saiu do quarto, Halie teve certeza de que, se pudesse, teria começado a chorar incontrolavelmente naquele instante. O corpo de Yorick jazia no chão, todo torcido e quebrado, em frente às escadas.

O que eu faço agora?, perguntava-se. As informações começaram a aflorar em sua memória aos poucos e, de uma só vez, Halie decidiu que não tinha tempo. Precisava voltar imediatamente ao Alto Comando dos Renegados e contar o que sabia ao Comandante.

Saiu correndo, sozinha e amedrontada. Quando chegou e encontrou-se com o Comandante, se deu conta de que não lembrava-se de nada de seu caminho de volta. Não sabia o quanto tinha andado ou corrido, quem tinha visto ou por onde havia passado. Apenas aparecera ali, desolada, infeliz e aterrorizada, procurando abrigo e conforto.

– Calma, calma, garota! – disse o Comandante, segurando-lhe os ombros. – O que foi que aconteceu?

– Eu… Yorick… ela… ela m-morreu…

– Ai, pobre Yorick! – Belmonte meneou a cabeça e baixou o olhar. – Uma assassina de infinita coragem…

Halie cobriu o rosto com as mãos geladas e se recostou na tenda.

– Mas eu preciso saber o que aconteceu, Halie. – continuou o Comandante. – O que é que está havendo? O que você e Yorick descobriram?

– Comandante… – Halie não sabia bem por onde começar. – Crowley e Ivar juntaram as matilhas. E estão planejando uma sangria desatada