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Este é o 2º artigo de 10 posts da série O Diário da Kinndy.

Acordei com algo iluminando a janela do meu quarto. Abri os olhos esfregando-os um pouco e relutei em sair da minha cama. Logo em seguida tudo ficou escuro.
– Que estranho…
Outro clarão e novamente a escuridão. Decidi levantar e ver o que era, afinal, não é todo dia que vemos o sol brincar de pique esconde.
– Olá meu docinho! Porque levantou tão cedo?
Mamãe estava na cozinha preparando a massa dos bolinhos que seriam vendidos mais tarde, a cozinha estava iluminada por seis pequenas Moscaluzes de Negraluna, capturadas por papai e mamãe nos bons tempos da juventude, como eles gostavam de dizer.

Que indelicadeza a minha começar nosso papo falando sobre meu quarto e tudo mais e nem apresentar minha casa, não?! Pois deixe-me fazer isto agora! Me acompanha?
Meu quarto fica no segundo andar da nossa casa, logo ao lado do meu está o quarto de mamãe e papai. Não tenho muitas coisas, apenas alguns tomos que pego emprestado de vez em quando com os magos amigos de papai vem aqui e alguns livros que posso pegar na biblioteca de Dalaran. Tenho também uma adaga que uma ladina, vizinha de minha mãe quando ela ainda morava em Gnomeran, deu para ela. Ela é linda, bem afiada e com o cabo azul esverdeado e a lâmina roxa reluzente.

Uma vez, peguei a adaga e comecei a brincar com ela no chão da sala, mamãe ouviu o barulho que ela fazia ao cortar o ar, largou as panelas na cozinha e veio correndo em minha direção:
– Você não tem juízo menina?
Seu rosto estava vermelho de raiva.
– Mas… mas eu só estava brincando com essa faquinha.
Peguei-a e coloquei na mão direita para mostrar para ela o que se tratava.
– Isso não é uma faquinha! Isso é uma adaga! Uma arma! E armas não são feitas para se brincar, ela pertenceu a uma ladina. Você sabe o que um ladino faz?
Arregalei os olhos, não sabia o que essa palavra se tratava, ainda mais que ela poderia fazer algo.
– Não…
Ela abaixou e me olhou nos olhos.
– Um ladino vem, sem você poder vê-lo e te mata num piscar de olhos!
Coloquei as duas mãos na boca entreaberta e dei um passo pra trás, com medo do que acabara de ouvir.
Então minha infância foi aterrorizada com esse tal ladino que vem no escuro e te mata num pulo!
Quando eu tentava fazer algo legal, e obviamente o meu termo de brincadeiras legais significavam perigo para meus pais, eles vinham com essa história:
– Esperaí que vou chamar o ladino pra te pegar!
Eu me encostava na parede para garantir de não ser pega com uma facada nas costas e cobria a boca com medo de dizer algo que o tal ladino invisível poderia estar ouvindo e não gostar.

Mas voltando a apresentação da minha casa. O andar de cima é composto pelo meu quarto, o quarto dos meus pais e um banheiro pequeno.

Aliás, eu às vezes me perco contando as coisas. Emendo um assunto no outro e quando percebo nem lembro mais do que estava falando. Teve até uma vez que eu estava explicando um trabalho de alquimia na escola e… Estou perdendo o foco novamente, não é?! Desculpe…
No andar de baixo temos a cozinha, outro banheiro (mamãe disse que não pode largar os doces dela para poder ir fazer suas necessidades, imagina se queima?) e temos nossa sala para receber as visitas. Que aliás não vem muito aqui, já que batemos quase no joelho de um humano, então nossos móveis são todos em miniaturas.
Você consegue visualizar onde moro? Espero ter dado uma ideia do que é uma casa de um gnomo.

Pois então vamos voltar ao começo. Lembram do acende e apaga que me acordou?
Mamãe estava na cozinha e me perguntou onde eu estava indo tão cedo, olhei pra ela e respondi algo de querer aproveitar o dia para estudar e decidir sobre minha classe. Eu sei que mentir é errado, mas se eu dissesse “Tô indo ali fora ver se o sol tá ligando e desligando” seria muito estranho, não acham?

Peguei um roupão que estava no cabide atrás da porta e a abri lentamente, tentando não fazer barulho.
Realmente estava muito cedo,  o céu de Dalaran ainda estava com aquele azul claro do amanhecer e podia-se ver algumas estrelas brilhando ao longe. Mas se ainda era quase amanhecer, de onde viera aquela luz?
Resolvi sair de casa, torcendo para não encontrar ninguém conhecido, afinal eu estava de roupão.

– Bom dia, menina Kinndy!
Quase caí com o susto que levei.
– Senhora Bitty Tacagelo, o que está fazendo acordada a essa hora?
A fitei e percebi que ela já estava vestida para começar a trabalhar.
– Sabe como é menina, alguém precisa ajudar os viajantes que passam pela Praça Fiarruna. E você, o que está fazendo fora de casa tão cedo?
Ela me olhava curiosa, aposto que assim que eu saísse de lá ela contaria para papai que me viu na rua, e de roupão…
– Eu? Nada! Apenas apreciando o pôr do sol.
– Kinndy, o dia está começando. O pôr do sol será daqui a muitas horas.
– Sim, claro! Mas já quero garantir um bom lugar para apreciar este espetáculo, não acha?!
Ela ficou em silêncio e abriu caminho para eu passar. Acho que me saí bem com esta desculpa, sempre fui muito boa nisso.
Andei pela praça e nada de achar a fonte daquele clarão. Voltei para casa do outro lado da praça, não queria que a senhora Bitty Tacagelo achasse que eu havia desistido do pôr do sol.
Entrei em casa e mamãe ainda estava entretida com os bolos, doces e tortas que mais tarde entregaria para Aimee, uma moça que vende o que mamãe faz. A tenda da mamãe fica perto do banco de Dalaran, ao lado do Memorial a Antônidas. Sempre que estou com fome e não tenho tempo de passar em casa para comer, Aimee me dá uma Rosquinha de Dalaran por conta da casa! Aliás, ela é linda! Cabelos negros e olhos azuis. Acho que papai tem uma queda por ela. Toda vez que a vê fica agindo feito bobo.

Voltei para meu quarto, subi em cima da cama e coloquei a cabeça do lado de fora da janela e suspirei:
– Não é possível.
– Não é possível o que, minha filha?
Santa Eluna! Hoje era o dia de assustar a Kinndy?
Mamãe estava na porta do meu quarto, esperando uma explicação do fato de eu ainda estar acordada.
– Não é possível que vai chover.
Ela apertou os olhos para tentar enxergar o lado de fora e chegou mais perto.
– Minha filha, Dalaran não chove.
– Por isso mesmo mamãe, imagine se chovesse?! Por isso disse que não era possível!
Ela balançou a cabeça e olhou pra mim:
– Kinndy, eu te conheço muito bem, se você estiver aprontando algo eu vou chamar o ladino pra te pegar, viu?!
Coloquei a mão na cintura e a desafiei:
– Pode chamar, já tenho 14 levelamentos! Sou uma moça quase com classe!
Ela imitou meu gesto e também me desafiou.
– Então sugiro a senhorita a escolher logo o que será, pois quando fizer 15 levelamentos você terá que ser algo! Ou acha que vai ser uma garotinha pra sempre?!
E saiu do quarto com um ar de vitória.
Mamãe era sacerdotisa, mas não exercia sua classe. Ela disse que assim que entrara na escola de Dalaran para aperfeiçoar seus poderes de sacerdócio, ela começou a aprender a profissão secundária de culinária e a partir daí não parou mais.
Ela tinha razão, eu precisava escolher logo o que seria. Mas agora o que preciso mesmo é descobrir o que era aquela luz que me acordou…